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nosOtras[1]
reflexaocoletivaposcol@gmail.com
Caminhos percorridos e entrelaçados: do
individual ao coletivo[2]
Caminos recorridos y entrelazados: de lo individual a lo
colectivo
Taken and intertwined paths: from individual to
collective
Resumo: Este artigo surge de um
processo de reflexão e construção coletiva de conhecimento
que empreendemos com o objetivo de refletir sobre os
aprendizados significativos do primeiro ano de formação
doutoral desde a nossa própria experiência, e que
realizamos com apoio nos princípios da sistematização
de experiências e da reflexividade dialógica.
Num primeiro momento expomos como foi percorrido o nosso
caminho, o processo metodológico e os princípios
epistemológicos que foram o ponto de partida; em seguida,
descrevemos as nossas memórias, os contextos que
nos levaram à escolha do programa de doutoramento, bem
como os momentos significativos do primeiro ano de
formação. No último momento, expomos as tecituras,
os aspectos que nos foram comuns e que emergiram dos
relatos. Por fim, descrevemos os horizontes, as
pistas que a reflexão coletiva nos lançou, tais como
desafios éticos, políticos, pedagógicos para os processos
de formação doutoral
Palavras chave: aprendizados, construção
coletiva de conhecimento, formação doutoral,
pós-colonialismos, reflexão coletiva.
Resumen: Este articulo surge de un
proceso de reflexión e construcción colectiva de
conocimiento que emprendimos con el objetivo de
reflexionar acerca de los aprendizajes significativos del
primer año de formación doctoral desde nuestra propia
experiencia, orientados a partir los principios de la sistematización
de experiencias e de reflexividad dialógica.
En un primer momento exponemos como fue recorrido nuestro
camino, el proceso metodológico y los principios
epistemológicos como puntos de partida; posterior a esto
describimos nuestras memorias, los contextos que
nos llevaron a escoger el programa de doctorado, así como
los momentos significativos del primer año de formación.
En el último momento, describimos los tejidos,
los aspectos que fueron comunes para nosotras y que
emergieron de los relatos. Finalmente, describimos los horizontes,
las pistas que la reflexión colectiva nos generó, los
desafíos éticos, políticos y pedagógicos para los procesos
de formación doctoral.
Palabras claves: aprendizajes,
construcción colectiva de conocimiento, formación
doctoral, pós-colonialismos, reflexión colectiva.
Abstract: This article is based on a
process of collective knowledge construction made by a
group of PhD students from the program in Post-Colonialism
and Global Citizenship to reflect on the learnings of our
first year of grad school. The reflection is based on our
experience and is oriented by the principles of systematization
of experiences and dialogic reflexibility.
In this article, we first expose our journey, our path
and methodological process and our epistemological
starting point. Through our memories, we show
the reasons that led us to choose this PhD program. Later,
in the quilting we describe the common aspect of
our stores. Finally, in the horizons, we provide
the clues that this collective reflection brought, the
ethical challenges and also some of the political and
pedagogical answers and questions that arose throughout
our PhD training process.
Keywords: collective knowledge
construction, collective reflection, learning, PhD
Training, post-colonialism.
Introdução
Fomos confinadas no dia 11 de março 2020 e foi-nos
exigido que as nossas interações se restringissem aos
meios digitais, de forma a nos protegermos e a protegermos
as/os outras/os. Isto significou que, entre março e julho
2020, todas as nossas aulas do programa doutoral
aconteceram em formato de vídeo-aulas. Reconhecemos que
vivenciamos historicamente modelos de formação que
direcionam as performances acadêmicas ocidentalizadas a
lugares de profundo individualismo-Para nós, sem dúvida, a
pandemia da COVID-19 intensificou esses processos de
individualização, na medida que limitou as possibilidades
de partilhas e contatos que a interação física nos espaços
da sala de aula permitiam.
Se, por um lado, a modalidade virtual permitiu manter
alguma estrutura e seguimento ao período letivo, por outro
também significou para nós um desgaste físico e emocional
muito maior no processo de aprendizagem. Nós, que
estávamos habituadas/os a estar duas vezes por semana
dentro da mesma sala, trocando experiências e afetos –
ficamos reduzidas a interagir com o ecrã dos nossos
computadores e a ver as/aos nossas/os compañeras/os aos
quadradinhos, dentro de caixas herméticas e assépticas.
É no anterior contexto descrito que surge o trabalho de
reflexão coletiva que apresentamos a seguir, no qual,
sentimo-nos convocadas a participar por diversas
motivações como: “o desafio de passar por um processo de
reflexão coletiva depois de tanto tempo refletindo
´sozinha” (encontro 2); “la búsqueda de otras formas de
hacer investigación y trabajo académico que no separe,
sino que integre” (encontro 3).
Esta proposta de construção coletiva de conhecimento,
principalmente se considerarmos o contexto em que foi
experienciada, tem um significado muito profundo. É a
reafirmação de que a aprendizagem também se faz do
encontro e nunca será plena se estivermos sós. Neste
trabalho, pretendemos mostrar como reconhecemos a
importância de aprender com e que as/os nossas/os
compañeras/os são parte desse conjunto com o qual
aprendemos, são autoras e autores do nosso saber. Assim,
propomo-nos compartilhar os diversos caminhos que
significaram possibilidades, os vínculos, as reflexões e
os sentimentos criados a partir desse contato.
Partilharemos os momentos difíceis, as fraquezas, as
dúvidas e as inquietações que se tornaram obstáculos e nos
levaram a imaginar, negociar e construir alternativas para
avançar naquilo a que nos propusemos. Narraremos também
quais eram nossos desejos e até onde os executamos,
descrevendo as restrições que estabeleceram(-nos) limites.
Caminhos
Preparação da caminhada
Entre o dia 13 de maio e 1 de julho, reunimos-nos uma vez
por semana, durante 3h. O nosso primeiro encontro,
centrou-se em explorar as nossas motivações para fazer um
trabalho coletivo e o que imaginávamos que poderia ser: a
possibilidade de propor um espaço pedagógico que pudesse
ultrapassar as portas da sala de aula.
Neste espaço pedagógico não estábamos apenas construindo
coletivamente conhecimento académico, estábamos também
diagnosticando esse espaço em que habitamos, situando-nos,
assim, nessa tensão política que é expressar que não nos
contentamos com a forma como a academia pensa e executa a
individualização do produtivismo científico. O desafio
desta reflexão coletiva e do trabalho em grupo passou pela
diversidade que o constitui, por transformar la
coincidencia en convergências, daí que outro desafio
tenha sido gerar algo entre um grupo que livremente se
decidiu unir e, também, sair das nossas caixinhas.
Para que pudéssemos trilhar este caminho de modo
organizado e dinâmico, criamos alguns canais de
comunicação e trabalho. Eles foram:
- una plataforma de comunicación en videochamada (para
os encontros semanais);
- um grupo do WhatsApp para que compartilhar
mensagens, motivarmos, dividir tarefas e organizar
encontros vindouros;
- uma pasta compartilhada no Google Drive, em
que colocamos material prévio aos encontros, as
gravações dos encontros e os chats, as transcrições e a
preparação do material escrito.
Este elemento foi reforçado pela escolha e desafio de
escrever o trabalho na plataforma Google Docs,
que permitiu o acesso e alteração ao texto por todas, de
modo simultâneo. Num primeiro momento, as moderadoras dos
encontros organizaram uma primeira versão do capítulo
sobre o(s) encontro(s) que moderaram e, em um momento
posterior, o texto passou para as compañeras de forma a
fazerem as alterações que quisessem, incluindo elementos,
excluindo outros, dando forma à nossa colcha de retalhos
escrita
Ainda na perspectiva de melhor organizar nosso processo
dividimos os encontros em quatro eixos. No primeiro eixo
(encontros 1, 2 e 3) conversamos e debatemos sobre os
nossos acordos de diálogo e sobre a fundamentação teórica,
metodológica e epistemológica do nosso trabalho. O segundo
eixo (encontros 4 e 5) tratou sobre a recuperação das
experiências individuais. O terceiro eixo (encontros 6 e
7) concentrou-se em refletir conjuntamente sobre o que nos
une e o que nos separa, para pensar como tecer
coletivamente a nossa colcha de retalhos. Tivemos, ainda,
a oportunidade de ter um oitavo encontro com o professor
Alfredo Ghiso, educador popular, com quem refletimos - a
partir das nossas inquietações e dúvidas - sobre as
possibilidades potenciadas pelo nosso processo.
Finalmente, o eixo final dos encontros (9 e 10) foi para
coordenar as ideias finais, conclusões, recomendações,
perguntas e revisão final do texto. Este caminho terminou
no dia 11 de julho de 2020 com a socialização virtual do
trabalho coletivo, apresentando na aula final do
seminário.
Aprendendo a caminhar em sintonia: nossos
acordos de conversa
Uma das primeiras necessidades identificadas foi a
criação de acordos para a conversa, em que todas
participássemos e manifestássemos aquilo que parecia
importante para que pudéssemos confiar, compartilhar e
conversar juntas. Para tal, criamos um documento
intitulado “Acordos para os encontros”,[3]
em que cada uma acrescentou os pontos que considerava
essenciais para serem acordados coletivamente e os quais
foram discutidos no segundo encontro. Os acordos foram: 1.
Circularidade da palavra; 2. Responsabilidad con el
colectivo; 3. Confianza y cuidado; 4. Ritual de bienvenida
al espacio; 5. Orientar e delimitar sem restringir e 6.
Rotatividade de moderação. Um dos acordos que parece-nos
importante destacar aquí, é o acordo do uso la linguagem,
sendo este clave para percibir a forma da escrita que
presentamos no presente artigo:
linguagem: nossos encontros foram concebidos para abarcar
a pluralidade linguística do nosso coletivo e,
conscencializarmo-nos e diminuir conscientemente as
violências simbólicas encarnadas no uso da linguagem. Isto
incluiu que a construção das guias metodológicas, que os
materiais de apoio e que a escrita final fossem também
pluri-linguísticos. O processo de revisão visou encontrar
denominações comuns e problematizar o uso de determinadas
expressões linguísticas, mas jamais aprisionar nossa
colcha de retalhos belamente costurada através da
imposição de uma única língua académica. Em relação ao
género da linguagem que utilizamos, acordamos o uso do
feminino genérico para referir-nos a nós próprias enquanto
coletivo. Esta é uma decisão que, mais do que lógica, é
política. Como um grupo de pessoas, entendemos, em
primeiro lugar, que somos sete mulheres que se identificam
como cis-género e uma pessoa que se identifica como homem
cis-género, pelo que, numericamente, as pessoas que se
identificam como mulheres-cis constituem a maioria
(Conversações entre nosOtras, 2020).
A nossa bagagem
Nesta seção, partilharemos alguns dos fundamentos e
problemas teóricos que foram pontos de partida para esse
processo de reflexão e construção coletiva do conhecimento
- a nossa bagagem, que trazemos da nossa aprendizagem
académica e percurso de vida - que assumimos como uma
posição epistemológica, ética e política entre elas. Num
segundo momento, desenvolvemos algumas das
problematizações que surgiram no momento reflexivo da
fundamentação teórica e metodológica.
A reflexão coletiva e o diálogo
Inspiramo-nos nas orientações teóricas e metodológicas da
sistematização de experiências (SE), que
surge em 1980, nas organizações e movimentos da educação
popular, a fim de refletir sobre o conhecimento já
incorporado às práticas sociais cotidianas e pensar na
construção de perspectivas e possibilidades da acciones
futuras, questionando o lugar da ciência eurocêntrica e
propor um processo como forma de pesquisa, produção de
saber e conhecimento da prática (Mejía, 2010). As
principais orientações que consideramos a partir do SE
foram pensar e recriar a construção coletiva do
conhecimento a partir da escuta, do diálogo e reflexão da
experiência para pensar novos caminhos para a ação, deste
modo optamos por nomear o processo empreendido como
reflexão e construção coletiva do conhecimento, a partir
da reflexividad dialógica (Ghiso, 2016: 257), a
qual é mobilizada pela reconquista do poder de conhecer e
construir conhecimento em solidariedade. Assumimos tambén
intencionalmente, a ruptura com as dicotomias nas quais o
conhecimento foi construído no Ocidente, que, constitui um
pensamento abissal como um sistema de divisões visíveis e
invisíveis que dividem a realidade em dois universos,
“entre o verdadeiro e o falso, em detrimento de dois
conhecimentos alternativos” (Santos, 2007: 4-5).
Subjetividades não neutras, autônomas e
solidárias
Um segundo ponto de partida veio do reconhecimento de nós
mesmas. Quem somos? Por que nos encontramos? Isto nos
permitiu revelar que, aquelas que decidimos iniciar o
processo de reflexão e construção coletiva, nos
posicionamos como pessoas não neutras, situadas, com
historicidade, autônomas, reflexivas, com corpos de
experiências e vivências, e, portanto, de conhecimentos
múltiplos, como pessoas desafiadas pela contexto e em
busca de opções e possibilidades para influenciar na
realidade. Reconhecemos o que é expresso por Boaventura de
Sousa Santos, esse conhecimento com, como uma prática
colaborativa baseada na experiência como contexto,
assumindo-a como um campo de conhecimento:
todo o conhecimento é corpóreo, não é aceitável que se
conceda à experiência um estatuto inferior ao da
teoria...A experiência é tanto a vida subjetiva da
objetividade como a vida objetiva da subjetividade. Como
gesto vivo, a experiência reúne, como um todo, tudo aquilo
que a ciência divide, seja o corpo e alma, a razão e o
sentimento as ideias e as emoções (Santos, 2018: 144-145).
Partimos também da ideia que o conhecimento não se
constrói sozinho, sino como um processo
relacional “con una situación, unos problemas, unos grupos
o instituciones, unos saberes y conocimientos, con unas
opciones políticas, económicas culturales” (Ghiso, 2006:
76). Situamo-nos assim, em perspectivas críticas, as quais
assumiram o lugar do conhecimento como um campo em que as
transformações são criadas e disputadas, nas quais a
objetividade é questionada como neutralidade e pureza do
pensamento livre de emoções e interesses, e assume-se mais
a partir do lugar da reflexividade em que, através da
interpretação crítica da prática, revelamos,
conscientizamos e expomos nossos interesses, limites e
possibilidades do conhecimento gerado.
A academia como lugar de transformação (?)
Uma das questões que teve muita força em nosso processo
de reflexão foi pensar se a academia, se o programa de
doutoramento, são espaços com possibilidades de
emancipação em si e se podem contribuir para a
transformação social: “acho que a gente está aqui na
academia nesse espaço privilegiado não para mudar o mundo
a partir desse lugar, mas talvez subsidiar ou apoiar
algumas mudanças” (, 2020: 3).
Pensar uma academia emancipadora dentro de uma academia
construída sobre projetos neoliberais do fim do século XX
e início do século XXI dificulta a esperança de um dia
ver-se a academia como espaço de transformação social. No
entanto, a esperança alimenta-se dela própria e torna-se
uma possibilidade precisamente por ainda existirem as
novas gerações de investigadoras que acreditam na
capacidade transformadora. Poderá, porém, acontecer o
mesmo que no fórum social mundial, onde ficou evidente a
separação entre movimentos sociais e acadêmicos que, de um
modo ou de outro, teorizam a partir de perspectivas
críticas, mas separados de realidades e interesses
sociais.
Estas questões tensionantes levam-nos a problematizar e
ampliar o debate sobre a descolonização da academia. Esta
descolonização vai além de introduzir mudanças ousadas nos
currículos e visibilizar outras histórias. É um
descolonizar que passa por resgatar este próprio espaço,
onde a disputa por uma produção de conhecimento que
historicamente determinou a forma como muitas pessoas
acadêmicas e não acadêmicos veem o próprio mundo. Esse
resgate passa também por reconhecer que a universidade
nunca foi apanágio do Norte Global. Que se o termo de
universidade e academia surgem de facto na Europa e a
partir dela se vulgarizam, a produção e propagação de
conhecimento tem origens bem anteriores à experiência
universitária/acadêmica europeia. Que por conseguinte, as
primeiras universidades não nasceram na Europa e que,
ainda hoje, mesmo no que se convencionou chamar “mundo
ativista”, as universidades ditas “populares” têm sido
espaços de intensa cultura de pesquisas e escritas sobre
temáticas várias. A produção de conhecimento resultante
das experiências vividas ou metafísicas, concretas ou
abstratas, não é portanto, exclusivo do que chamamos
academia ou universidade. Por outro lado, resgatar
significa também dizer que, mesmo no Norte Global, a
academia é também um espaço plural a disputar, porque a
“comunidade epistêmica/acadêmica no seu interior ocupa um
lugar de poder determinante na produção de saber sobre o
outro e sobre os mundos outros, que não deve ser
monopolizado, ‘totalizado’. Descolonizar a academia é
des-ocidentalizar uma estrutura pensante que patenteia e
monopoliza o direito a pensar e escrever “about them, but
without them” (Nimako, 2012).
As emoções, um capítulo separado?
O lugar das emoções foi outro tópico que esteve em nossa
reflexão, no qual não tínhamos necessariamente diferenças
de opinião, mas reconhecemos que é ainda uma pergunta que
temos: “eu fiquei me perguntando muito depois na
aula é do limite mesmo, do limite que é quando a gente
coloca as nossas emoções e as nossas coisas no texto”
(M.M., 2020: 3).
O que é então “distância” em perspectivas críticas? O que
é “distância crítica” nas epistemologias do Sul? Como essa
distância é narrada no processo investigativo? Como se dá
conta de esta ética e politicamente (...)? Em algumas das
experiências das pessoas que compõem o coletivo, essas
questões estão permanentemente no processo de formação e
também reconhecemos que desde perspectivas críticas falam
também dessa “distância”.
De quem são as palavras? Autoria, co-autoria
e não autoria
Uma última grande questão que emergiu como
problematização em nosso processo de reflexão, foi o papel
da autoria e onde situar teoricamente este processo
metodológico e epistemológico realizado: “será
que somos capazes de abandonar o método científico imposto
e começar a usar outros conceitos?” (B.L., 2020: 3).
O próprio termo colaborativo, usado sobejamente dentro da
nova linguagem neoliberal do empreendedorismo, que busca
reconhecer as/os trabalhadoras/es como colaboradoras/es
(embora muitas não usufruam dos lucros destas empresas)
pode também ser problematizado porque não está ilibado de
problemas. A dimensão participativa que uma colaboração
subentende, não é necessariamente horizontal. Quanto ao
termo "não extrativista" ele em si não dá conta de toda a
crítica. O extrativismo não é necessariamente predatório.
O extrativismo que as comunidades indígenas, por exemplo,
fazem da terra, das plantas não é o mesmo que uma
multinacional da madeira faz da mesma floresta.
Diante dos limites, conjunções ou divisões que podem ou
não existir na classificação de metodologias pós-abissais,
colaborativas ou não-extrativistas, não houve consenso, é
um aspecto que deixamos em aberto: existem diferenças
entre essas metodologias ou quando se fala em metodologias
pós-abissais, são todas incluídas: colaborativa,
participativa, não extrativista? Se houver diferenças,
quais seriam elas? Ao separar as metodologias abissal e
pós-abissal, estamos falando de algumas que são “melhores”
do que de outras? Quais são as lutas urgentes da academia
em termos de metodologias colaborativas? Quais seriam as
condições para quebrar as barreiras das epistemologias do
Norte?
Em relação ao tema das autorias, nossas reflexões giraram
em torno de duas questões. A primeira delas foi pensar na
propriedade da palavra falada, do que é nomeado, quem é o
dono das palavras? Entendendo que, muitos daquelas que
usamos e recriamos hoje têm historicidade, talvez já
tenham sido “apalavradas” por outras pessoas, enunciados
em outros tempos e contextos, então, como objetos em
museus, as palavras perdem seu poder e significado quando
sujeitas a definições em glossários ou dicionários? A
palavra perde seu poder quando definida? ou verbalizada?
Quem tem o direito de sua autoria?
nós apagamos os verdadeiros autores. É por isso que eu
acho interessante esta questão da não autoria. Porque há
termos que já se perdeu o seu autor. Porque estamos neste
mundo há séculos e há termos que já foram utilizados.
(C.A., 2020: 3)
Finalmente, um dos aspectos que mais nos questionou
quando pensamos na possibilidade de nos situarmos a partir
de metodologias não-extrativistas no âmbito do processo de
doutorado é a questão da autoria e coautorias na pesquisa.
Diante da impossibilidade de uma coautoria nos processos
investigativos, como pode ser construída uma metodologia
não-extrativista, se é o pesquisador que, em seu exercício
interpretativo, constrói o texto narrativo e nomeia o que
é produzido como seu? É por esse motivo que esta aposta
solidária, de coautoria, tornou-se, como mencionamos no
início deste apartado, em uma posição e opção ética, para
convidar à abertura de caminhos.
Memórias
Refletir sobre a nossa aprendizagem é também refletir
sobre o que nos trouxe até aqui e as pessoas que constroem
essa constelação de sabedoria que nos permite ocupar este
espaço. Para este apartado procuramos refletir e recuperar
nossas memórias: pessoas, geografias, textos, encontros
com colegas e professoras/es que tornaram nossa
experiência de aprendizado significativa, dando conta de
tensões, problematizações e transformações da mesma. Com
isso, buscamos entender como nossas motivações e caminhos
individuais foram desaguando em espaços comuns e criando
algumas trajetórias coletivas.
De acordo com os tempos das memórias, este apartado está
dividido em duas subseções que refletem os dois encontros:
‘como chegamos até aqui’ e ‘o agora’. Buscamos trabalhar
as memórias trazidas nos encontros a partir de algumas
palavras que surgiram neles, que chamaremos de “palavras
pedras”, pois acreditamos que “las palabras producen
sentido, crean realidad y, a veces, funcionan como
potentes mecanismos de subjetivación” (Larrosa,
2003: 165).
Cómo llegamos aquí - Palabras piedras
Camino(s)
La primera palabra que surgió en nuestros encuentros o
procesos de memoria es “camino”. Partiendo de la canción
“A estrada” de Anaquim (2016), siendo la vida un camino
abierto, “una calle, una carretera, una trocha, un
sendero” (H.C, 2020: 4), que se traza andando, no siempre
es fácil saber desde donde comenzar a narrar y recordar el
cómo llegamos aquí y ahora. Se para algumas o caminho até
o doutoramento se inicia há vários anos, para outras é um
caminho que tem apenas poucos anos ou até poucos meses. A
noção de tempo e de maturação do processo reflexivo da
nossa experiência, e que nos traz aqui difería bastante
entre nós. A veces los caminos se escogen y aclaran en
nuestros primeros momentos de vida, a partir de gustos,
quereres e intuiciones.
Encuentros
En los caminos que recorrimos y narramos honramos los
encuentros, estas personas, las pregunta que nos
posibilitaron estar aquí (A.M, 2020: 4), reflexionamos
acerca de, cómo la posibilidad de emprender un doctorado
no es un proceso que surge en lo individual, sino que se
apoya en una densa malla de relaciones y encuentros
significativos, como fue expresado por una de nuestras
compañeras:
foi no meio deste caminho [da maestria] que tive o
presente encantado de ser coorientada pelo professor
Kabengele Munanga, antropólogo e profesor congolês,
especialista em antropologia da população afro-brasileira,
que me apresentou os estudos descoloniais e mudou desde
então a minha trajetória de investigação e as lentes pelas
quais eu enxergava a mim e ao mundo. Kabengele é um ancião
e eu tenho muita gratidão por ter cruzado o caminho dele.
Ele mora em Cachoeira. Morávamos relativamente perto. Às
vezes eu ia caminhar e ele estava caminhando também e eu
ia caminhando atrás dele, pensando: MEU DEUS, estou
caminhando junto com KABENGELE MUNANGA! (B.J., 2020: 4)
Búsquedas
As memórias anteriores ao doutoramento refletiram muito
dos processos pessoais de buscas: buscas de como estar no
mundo, como trabalhar com nele, buscas profissionais e
também espirituais:
eu senti que o doutorado para mim ele foi uma
convergência de dois caminhos muito diferentes que ficaram
muitos soltos na minha vida por muito tempo. Um caminho
mais profissional, [...] e a espiritualidade. [...] Não
sei as razões do porque eu estou aqui, exatamente, acho
que ter integrado a Umbanda na minha pesquisa fez um pouco
mais de sentido, sabe? (M.M., 2020: 4).
Grande parte das vezes essas buscas constantes foram
motivadas por sentimientos de inconformidade con las
realidades, por cuestionar y cuestionarse críticamente y
constantemente, intelectualmente, pero también
corporalmente:
siempre la gente me decía, ¿y estás pensando hacer de
pronto un doctorado? Y no, por ahora no, de pronto más
adelante. Y era siempre más adelante. Simplemente porque
sentía que lo que yo podía aprender en ese momento y que
necesitaba aprender en ese momento no estaba en la
academia, por más que trabajaba en una universidad que,
pues digamos que no era una universidad hegemónica, para
nada. Y eso significó también ponerme en juego, cada rato,
no estar nunca segura de mi lugar, mucha incomodidad todo
el tiempo. Por ser yo blanca, por ser yo privilegiada, por
ser yo, en fin, una serie de cosas, por ser yo mujer en
ciertos contextos, al principio por no tener hijos, por
tener hijos, siempre por todo. Siempre había algún momento
de nunca encajar al 100%, pero tampoco me molestaba el no
encajar. (H.C., 2020: 4)
Esa inconformidad, sentida por ejemplo en contextos
educativos, como es “o nível de desconexão com a
realidade” de algunos programas universitarios, o en lo
laboral, impulsaron los cambios y alimentaron miradas
críticas:
la experiencia de ser profesora de esa cohorte de la
maestría que me confrontó con el tener que estudiar la
propuesta de epistemologías del sur, si quería enseñar lo
que sentía que hacía falta, pues había que estudiar [...]
después que hice la especialización en epistemologías del
sur diseñé un curso corto para pensar la salud pública
desde allí. (A.M., 2020: 4)
Luchas y esperanzas
Muchos de los encuentros y motivaciones que han ido
orientado nuestros caminos se dan en diversas luchas
sociales, luchas que se realizan en diferentes geografías
del mundo, en diferentes temas, niveles y dimensiones,
pero son acomunadas por ser anticolonialistas,
anticapitalistas, anti-heteropatriarcais y feministas: “eu
era a brigona da sala, simplesmente por acreditar em um
sistema de saúde não possível, mas como deve ser, e por
isso na verdade que eu estudo, somente por isso, não é por
mim” (C.K., 2020: 4).
Violencias y dolores
En ocasiones, esas luchas fueron interrumpidas por
violencias, por huir de esas violencias, y necesitaron
encontrar otros espacios desde dónde emprenderse, siendo
la universidad y especialmente el doctorado una
posibilidad “siempre le decía a la gente, yo voy a volver
así sea haciendo un doctorado porque pues sí, voy a hacer
eso. Entonces, para mí, empezar en Coimbra fue como
volver, volver al Chocó” (H.C., 2020: 4).
Outra sensação de violência partilhada por nós foi a
vivida nos processos acadêmicos e profissionais, nos
momentos de escrita de trabalhos de conclusão de curso de
graduação e mestrado, os sentimentos de solidão e medo que
nos rodeiam:
o ano em que eu estava em tese de mestrado. Nessa altura
eu estava num lugar muito feio, muito estranho, esquisito,
em que não acreditava naquilo que estava a fazer, porque
que é que o estava a fazer. […] ninguém acreditava ou
sequer entendia o porquê ter escolhido aquele tema. […]
Enfim, em 2016 eu estava mesmo muito mal e não acreditava
em mim ou na academia (B.L., 2020: 4).
Partilhamos também formas de dores e violências impostas
pelo capitalismo, colonialismo e heteropatriarcado, que
marcaram e marcam nossas histórias de vida e de lutas.
Como nos alerta Munanga (2007), as diferenças biológicas
fenotípicas, como a cor da pele e os traços faciais, na
sociedade estruturada por hierarquias raciais, se tornam
fatores de dominação e exclusão, geradores de
desigualdades e violências, que têm nas instituições
educacionais e nas barreiras para o acesso à educação um
extenso terreno da exclusão:
quando entrei na universidade fui da primeira turma de
cotistas[4]
do curso de história. E, assim, eu até hoje carrego muitas
sequelas dessa entrada, porque era o momento que havia uma
discussão na universidade de que estudantes cotistas iam
diminuir a qualidade da universidade; que a gente não
tinha competência para estar naquele espaço; que a gente
não sabia. Então, eu entrei na universidade com todos
esses estigmas de “não saber”. E até o quarto semestre
(isso faz muito parte também da dificuldade que eu tenho
em falar no ambiente acadêmico de sala de aula até hoje)
... até o quarto semestre eu estava na universidade e eu
só lia e ouvia os professores falarem. Eu era extremamente
silenciosa. Eu absolvi a concepção bancária de educação
que Paulo Freire teorizou. Achava que era um recipiente
vazio e eu estava naquele espaço para adquirir
conhecimento válido...O processo de chegada ao Programa
Pós-Colonialismos e Cidadania Global do Centro de Ciências
Sociais da Universidade de Coimbra foi um processo muito
difícil. A travessia transatlântica para o
eu-mulher-negra, com poucos recursos financeiros, por
alguns momentos exigiu tanto esforço, doeu, cansou a ponto
de parecer estar sendo feita à nado. Mas, os ventos das
encantarias sopravam ao meu favor. Cheguei e estou (B.J.,
2020: 4).
A partir dessas dores, dessa inconformidade e também das
diferenças das nossas experiências, também pudemos
compartilhar sonhos e utopías que temos para construção de
um projeto emancipador.
El ahora – Palabras piedras
Encuentros y
despedidas - abrazos y cuerpos
Cuando recordamos la experiencia del primer año en el
programa doctoral, lo primero en aparecer fueron os
encontros, afetos e emoções no nosso processo de
aprendizagem, “Acho que lembrei-me muito mais também das
pessoas do que propriamente acontecimentos concretos”
(B.L., 2020: 5).
Cada uma tem a memória de quais foram os primeiros
vínculos criados no doutoramento, assim que chegaram para
esta nova fase em Coimbra. Estos primeros encuentros
lograron quebrar expectativas iniciales, quebrar ideas
individualistas, cambiando miradas y infundiendo esperanza
en algunas:
él me hizo creer ʽsí, tu puedesʼ, aquí todos tenemos
nuestros: ʽtampoco sabemosʼ. En medio de todas las dudas,
el grupo me enseñó eso en el primer encuentro. Y claro de
allí el hecho de que yo solo iba a clase, de una forma muy
individual, yo creo que eso desde el segundo día se cayó
totalmente. Y me doy cuenta de cuanto ha sido importante
ese proceso. (H.C., 2020: 5)
Alguns, relatam que algumas dessas conexões foram
estabelecidas antes mesmo do encontro presencial “as
pessoas que comecei a falar sem nunca as ter visto e
depois quando de repente as encontrei parece que foi
tipo... que tínhamos visto ontem num bar ou numa casa,
qualquer coisa assim, e nos reencontramos” (C.A., 2020:
5). “Parecia que eu estava abraçando um velho amigo que
reencontrava”. (B.J., 2020: 5)
Outras foram através dos encontros presenciais, do
contato despertaram os vínculos:
no segundo dia fomos à FEUC todos, e havia um lanche e eu
fui, sempre cheia de medo, e na fila para o café e há
alguém que vem falar comigo […] e ele diz-me “ah tu és do
pós-col”, eu disse que sim e ele disse “então anda cá que
estão aqui os outros”. Eu fui atrás dele e ele tocou no
ombro de uma pessoa e essa pessoa era a […]. Foi a
primeira pessoa que eu conheci assim mais diretamente e eu
acho que nunca me vou esquecer daqueles olhos azuis
enormes a olhar para mim e a dizer “Olá!”. Depois logo
apareceu o […] […]. Depois cá fora estávamos já a
despedir-nos e a […]disse “eu sei que tu não és brasileira
mas eu vou te dar um abraço”. E, também fez parte deste
ano para mim, aprender a deixar-me abraçar. Mesmo por
“estranhos”, que isso também faz parte e não faz mal
deixar as pessoas [se aproximarem]. Aprender a dança da
[…], porque ela abraça as pessoas do outro lado - que é
para tocar com o coração. (B.L., 2020: 5)
Outras conexões foram feitas através de um processo de
construção ao longo do doutoramento, que demandou tempo,
paciência e conhecimento sobre as histórias e motivações
de cada um e cada uma. Mas não foram só de encontros e
vínculos formados que esse processo se constituiu. Foram
muito presentes também os sentimentos de solidão, medo, as
rupturas e também despedidas.
¿Dónde está el grupo? Decepciones y
esperanzas
A partir dos nossos encontros, já podíamos nos considerar
un grupo? Habíamos tejido algunas relaciones
interpersonales, que poco a poco fueron delineando una
red, algunos momentos fueron clave para ello y fueron
recordados con cariño. Apesar das alegrias vividas, dos
encontros compartilhados, muitas vezes essa turma também
foi motivo de decepções, y surgió la pregunta: ¿somos un
grupo? ¿dónde está el grupo? ¿hay solidaridad?
“Una gran decepción, de yo imaginarlos a ustedes
trabajando, haciendo cosas juntos, yendo a esos eventos, y
cuando iba a los eventos no había nunca nadie tampoco del
grupo [...] La otra decepción fue que de tantas propuestas
que surgieron en el grupo, las desperdiciamos todas [...]”
(H.C., 2020: 5).
Reconocemos que la construcción de grupo necesita de
tiempo y paciencia, y entendemos que aún estamos en ese
proceso:
o que eu queria partilhar era sobre o fato, mais uma vez,
de as construções demandarem paciência, tempo... O fato de
estarmos compartilhando o mesmo espaço no doutoramento,
não necessariamente nos liga em automático... paciência e
construção... Eu quero falar também sobre todo cuidado que
recebi desde que cheguei, do compartilhar para lidar com o
frio, com as burocracias do SEF.[5]
A visita que recebi quando estive doente. As escutas. Ser
levada para ver o mar... Todas as ajudas que recebi da
[...] com as referências. Todo o companheirismo e
construção de amor com […]. (B. J., 2020: 5)
Deste modo, entendemos que a construção deste trabalho
foi possível por todas as vivências aqui relatadas, todos
os encontros e desencontros, os medos e cuidados no
caminho, foi essa história que nos trouxe até aqui.
Des-centrar(nos): Miedos, retos e
interpelaciones
Enfrentar uma nova fase em nossas vidas é sempre um
desafio e o processo de doutoramento para muitas de nós
implicou em uma grande mudança, seja física, emocional,
espiritual. Encarar o doutoramento para muitas de nós
implicou em estar fora da zona de conforto: “se a minha
mudança para vir para cá vem com a decisão de uma vida
académica [a ser per(seguida)] ela também vem com uma
decisão de ter outros ritmos [de ter tempo]... Essas
decisões implicam [mudanças e] uma precariedade” (W.P. L.,
2020: 4).
Para outras foi um eterno deslocar-se, por haber decidido
no cambiar su lugar de residencia: “creo que uno de los
primeros recuerdos, yo sentada eternamente en un tren,
horas sentada en un tren, en un avión, en un aeropuerto,
porque eso era mi experiencia cada dos semanas[...]ʽ¿cómo
carajo voy a hacer eso todo el año?ʼ ”. (H.C., 2020: 5)
Foi também sobre mudanças de vida para um país diferente,
sin una red de apoyo y siendo atravesadas por múltiples
estigmas o categorizações, sobre os desafios de ser
imigrante e buscar esperança nas pequenas coisas:
eu cheguei aqui e foi muito difícil, minha primeira
semana foi horrível. Eu compartilhei com você a foto a
postagem que eu fiz, das flores. A semana foi horrível.
Quando eu liguei para o senhorio, para alugar o meu
apartamento, a primeira coisa que ele falou para mim foi
“brasileira?”, tirando várias outras coisas assim que
aconteceram. Na primeira semana eu não estava bem e eu
via sempre essas mesmas florzinhas no chão, tirei a foto e
achei que era um sinal do universo, de que as coisas vão
certo. Era uma esperança, não era o que eu estava sentindo
no momento mas era uma esperança. (M.M., 2020: 4)
Para outras isso se somou ainda a dificuldade da
comunicação em outro país: “no entendía nada de portugués,
porque por más que hubiera hecho un cursito, no entendía
nada y tenía mucho miedo de salir de esa casa, pensaba, Yo
voy a salir y ¿qué voy hacer? Entonces estaba en pánico”
(A.M., 2020: 5).
E mesmo para aqueles que não precisaram fazer um
deslocamento físico, porque no tuvieron necesidad de
migrar, escolher o doutoramento de Pós-Colonialismos
também foi um des-centrar estando em seu próprio país:
na semana de acolhimento, eu estava cheia de medo. Tinha
muito, muito medo. Tinha medo porque já estava no CES há
algum […] sabia que havia poucos portugueses e sabia que
isso me punha num lugar à parte do resto das pessoas. E
tinha muito medo de...não me sentir acolhida. É muito
engraçado a [...] dizer que na primeira semana tentava
fugir das pessoas e afastava-se, porque eu fiz o mesmo.
Não porque não entendesse, mas porque tinha medo. (B.L.,
2020: 5)
Este des-centramiento, mismo estando en su contexto,
atravesó también situaciones aparentemente cotidianas, ya
que los encuentros nos llevaron a mirar lo de siempre “a
partir do olhar dos outros [...] Também trouxe esta foto
do Outono, que para mim é normal, mas foi na vossa visão
que voltei a ver, que voltei a ver Coimbra de outra forma”
(B.L., 2020: 5).
A lo largo de nuestros recorridos, los des-centramientos
fueron varios, y en diferentes niveles, lo que el grupo
retoma significativamente a la hora de hacer un balance
del año en aulas y del encuentro con las profesoras y los
profesores. Estos des-centramientos significaron múltiples
interpelaciones que nos ayudaron a: fortalecer nuestros
temas de investigación, a plantearnos la importancia de
continuar con una mirada crítica de la realidad
preguntándonos siempre sobre nuestros lugares y la
importancia de conocer otras luchas.
Para algunas, el ahora ha significado la
posibilidad de encuentros con otras luchas en las cuáles
no habíamos participado antes, que no veíamos,
permitiéndonos ampliar la mirada:
En uno de los momentos que yo estaba en Coimbra más
tiempo y con algunas personas fuimos a ver un documental,[6]
unas imágenes audiovisuales de Amilcar Cabral y había esa
música, y esa música siempre me andaba allí rondando en la
cabeza [canción Amilcar Cabral (Bu Morri Cedo)
de Lima (1974)]. Y la asocio mucho también a ese tema del
descentramiento, como de mirar hacia otros lugares que no
conozco, porque tampoco entiendo completamente la letra,
pero la entiendo de pronto desde otros sentires. (H.C.,
2020: 5)
Esto nos cuenta, finalmente, de cómo los aprendizajes más
recordados por nosotras se hicieron a través de
experiencias que pasaron por emociones, por el cuerpo, por
el “aprender a deixar-me abraçar” (B.L., 2020: 5), de
forma colectiva incluso, y no únicamente en las aulas
universitarias:
temos muita resistência em mostrar os afetos. Porque se
calhar é a parte que nós consideramos como fraqueza. E
acho que estamos neste espaço para destruir um bocadinho
disso. [...] É um espaço que vai além de uma simples
construção de conhecimento né? porque há muita intimidade
e muito afeto [...]temos que trazer outras narrativas
sobre a potencialidade do espaço como um dos caminhos que
vamos construindo. Gosto desta questão do sentido das
aprendizagens, o sentido das aulas, essa questão sobre o
que nos fica na memória, das aulas, que não são os grandes
textos, autores mas sim um conjunto de conversas, de falas
de pessoas muito específicas e de compartilhamentos.
(C.A., 2020: 5)
Academia
Entendemos que o espaço da academia que estamos
atualmente ocupando, deve ser mais do que um espaço de
acúmulo de informação, que nos capacitará para emitirmos
opiniões, tudo isso numa velocidade intensa e excesso de
trabalho. Como diz Larrosa: “la experiencia, la
posibilidad de que algo nos pase, o nos acontezca, o nos
llegue, requiere un gesto de interrupción, un gesto que es
casi imposible en los tiempos que corren” (Larrosa, 2003:
169).
A primera lectura, lo que nos une es el haber escogido el
mismo programa doctoral, lo que fue motivado por varias de
nosotras por unas expectativas hacia el CES como otro tipo
de academia, sobre las profesoras y los profesores que
allí íbamos a encontrar. Una referencia clave para escoger
el programa del CES fue la de Boaventura de Sousa Santos,
otras serían las posibilidades que este espacio distinto
podría ofrecer: “CES como mesmo espaço académico com
potencialidades para construir outros saberes e criar
determinadas redes” (W.P.L., 2020: 4).
Algunas de las compañeras manifestaron la necesidad de
expresar un sentimiento de gratitud con el CES, con el
doctorado y con las y los profesores reconociéndolos como
espacios académicos distintos no obstante, esto no implica
que estos estén libres de contradicciones internas,
contradicciones que, para algunas de nosotras, se expresan
también en quienes optamos por estudiar este doctorado.
Es así como emergió la necesidad de entender la
crítica como gratitud con estos espacios, con las y
los profesores y con nosotras mismas como estudiantes, por
que creemos en esta como potencia para la transformación:
eu acho que estando nesse espaço de pós-colonialismos
temos uma certa responsabilidade e sem ser muito… como
dizer? Eu acho importante cultivarmos aquilo que é o
agradecimento e a gratidão não no sentido servil do termo,
mas no sentido de que apesar dos pesares há um espaço de
troca e há solidariedades. É porque de facto somos muito
gratos com este espaço que é o CES, o pós colonialismos e
essa pessoa que é o Boaventura, que é uma pessoa diferente
dentro daquilo que é a academia portuguesa, que nós temos
que critica-lo, criticar este espaço muito mais do que
outros, porque queremos dar continuidade ao processo de
melhoramento este espacio... (C.A., 2020: 4)
Como experiencia significativa en el ahora, fue
expresada la gratitud por la posibilidad del encuentro
con el profesor Boaventura de Sousa Santos que, aunque
virtual, fue sentido como potencia el poder compartir de
manera cercana con él, distinto a que hubiese sido en un
auditorio.
Además de las expectativas con la academia, evidenciamos
múltiples barreras que influenciaron nuestro acceso y
nuestro estar en este espacio. En primer lugar, las
dificultades en la comunicación en la lengua portuguesa
europea “porque por incrível que pareça eu estava
entendendo melhor o espanhol do que o português” (C.K.,
2020: 5). Contudo, o retorno a língua portuguesa, também
foi uma das razões para una de las compañeras escogiera
el CES como lugar de formación: “é Portugal por causa do
português: pensar e escrever na minha língua materna
[nessa língua colonial, na qual tenho infância][7] e era
importante poder refletir e criar em português. Entendo o
CES como lugar de retorno” (W.P.L., 2020: 4).
A parte de las burocracias ligadas a la migración, otra
barrera muy sentida en el ahora ha sido no tener
el sustento económico asegurado, el no tener beca de
estudio. Algunas de nosotras narramos como el ahora
ha estado atravesado por dificultades financieras y
precariedad económica.
En la reflexión y conversación del ahora
aparece el aula como espacio fundamental para los procesos
de aprendizaje académicos, entendemos que el aula no es
simplemente una tela de fondo, sino un espacio con el que
nos relacionamos y construimos de manera conjunta,
transformándola en un espacio nuestro, en una zona de
conforto, donde la risa y los cuerpos alegran muchos
momentos. A partir de marzo del 2020, debido a la pandemia
de Covid-19, la rutina de las aulas presenciales sufre un
cambio radical, para algunas una ruptura con el proceso de
aprendizaje. Los espacios de aula construidos a lo largo
del primer semestre quedan suspensos a tiempo indefinido y
enfrentamos el reto de las aulas virtuales. Si para
algunas la virtualidad significó una pérdida casi total de
espacios y de posibilidades, para otras personas
representó una ventaja:
eu na verdade vejo vantagem nessa questão da distância e
de ter aulas por zoom. [...] E como estavas a dizer […]
não é por acaso que não foi quando estávamos juntos que
esse projeto nasceu. Mesmo para disciplinas como a da
Maria Paula que tem essa forma muito próxima a nossa de
pensar. Mas que tenha sido agora a partir deste espaço
virtual que estamos todas a criticar que esse projeto
nasceu. Acho que isso é muito informativo e dá muita coisa
a pensar. O porquê de ter nascido virtualmente, o porque
dessas emoções que todas estamos a sentir nos outros
porque a fala das outras parece que nos invade de uma
forma muito agradável e isso acontece virtualmente. E acho
que isso mostra uma outra forma de encararmos este espaço
virtual que tem gerado tantos problemas. Se calhar ele não
é o mal em si mas aquilo que nós fazemos dele. (C.A.,
2020: 5)
De esta manera, sobre todo a través de nuestros
encuentros de reflexión colectiva, re-significamos la
virtualidad, la transformamos en un espacio de vida
compartida, en ventanas de convivencia. Ao longo deste ano
na academia, mas também vislumbramos como lentamente
construímos nossa experiência de aprendizagem:
às vezes a gente tem a ideia de que ʽnão, não aprendi
nadaʼ. ʽTeveʼ um dia que falei com um amigo meu, ele
estava perguntando coisas sobre o doutorado e quando eu vi
eu realmente sabia muitas coisas, coisas para indicar para
ele, os textos que me marcaram e sabia até explicar um
pouco sobre eles [risos]. E eu até fiquei impressionada,
porque não são coisas estanques, são coisas que lentamente
vão tomando a gente, inclusive conhecimento. (M.M., 2020:
5)
El camino juntas, los retos, los cuestionamientos y
descentramientos, los aprendizajes y alegrías compartidas
nos fortalecieron recíprocamente, llenándonos de esperanza
hacia posibles transformaciones en la academia.
Utopía como vínculo - lo que nos une
Nuestros caminos al final de los encuentros de reflexión
colectiva ya no son tan aislados, tan divergentes (Bispo,
2015: 91), sino que con sus diversidades empezaron a
acercarse. Esto se dio gracias a la creación de un espacio
de vida, de convivencia, “não quero usar o termo família
porque isso é muito forte, mas é um espaço que vai além de
uma simples construção de conhecimento né? Porque há muita
intimidade e muito afeto” (C.A., 2020: 5).
Entre las líneas, en los entredichos, en las
interpretaciones de nuestras memorias y narrativas,
entendimos que lo que nos acomuna son nuestras luchas por
un mundo justo, y no apenas por un mundo posible. Nos une
creer en la utopía.
Tecituras
Nesta seção, iniciando uma jornada-Sankofa, fazemos uma
retrospectiva crítica dos nossos encontros desde o início
da nossa caminhada. A partir dos nossos lugares, contextos
e especificidades tentamos perceber o que nos une e
fortalece e o que nos distancia e causa desconforto
enquanto coletivo. Interrogamo-nos sobre como fazer a
alquimia das diferenças e do comum, transformando-a num
potencial de fortalecimento. Propomos, assim, discutir as
possibilidades várias que o dissenso, tal como consenso,
geram. Num processo próprio de costura e tessitura,
desfazemos os nós para melhor entrelaçar e reforçar os
pontos de encontro entre nós.
Um leve voo Sankofa
Entre os Akan do Gana e da Côte d’Ivoire, os tempos
passado, presente e futuro são concebidos em termos de uma
circularidade aberta, representados pelo Adinkra[8] Sankofa,
palavra que na língua Twi significa: retorna, olha, pega.
A imagem dá corpo ao provérbio Akan se wo were fi na wosan
kofa a yenki.[9]
A Sankofa, como conceito, evoca sabedorias,
ancestralidades, memórias, fortalecimento, pertencimento e
futuridade. O gesto, sugerido tanto pelo provérbio como
pela imagem, é de recusa de toda a linearidade. Os
Adinkras podem ser reproduzidos em vários outros padrões e
permitem a ressignificação dos símbolos de acordo com os
contextos, esses símbolos têm sido verdadeiros códigos de
linguagem para os movimentos artísticos e políticos entre
as Áfricas e as suas Diásporas. A Sankofa é um símbolo que
representa todo o vasto pensamento panafricano. Os
Adinkras lembram-nos que pequenos conceitos e curtos
provérbios podem conter ensinamentos infinitos e
extremamente complexos. Os Adinkras, além de códigos de
linguagem, são receptáculos e guardiões de memórias
coletivas. Neste nosso trabalho coletivo, a Sankofa foi um
elemento presente que estruturou toda uma dinâmica mística
e as reflexões sobre memórias e aprendizagens diversas que
compartilhamos.
Existências plurais: redes visíveis e
invisíveis
Cogito, ergo sum. Quem afirma é Renée Descartes
no seu Discurso sobre o Método (1996[1637]). Descartes que
inaugura o pensamento cartesiano, em que o dualismo entre
corpo e mente faz escola e a primazia da razão como
soberana se torna presente. “L’émotion est nègre, comme la
raison est hellène”.[10]
Quem afirma é Leopold Sedar Senghor em Ce que l’homme
noir apporte (1939: 295).
O ‘eu’ racional de Descartes, que existe sozinho porque
tem o poder de pensar e a partir daí de afirmar a sua
existência, é um ‘eu’ que grita ao mundo um universalismo
monolítico a partir de si. A emoção negra que Senghor
compara à autoproclamada razão helénica, nega e desmonta
esse universalismo monolítico, afirmando que a emoção é
também ela racionalidade, que as duas são parte de uma e
que uma é tão válida quanto a outra.
Em uma de nossas conversas, uma compañera expressou: “Eu
sou várias” ( B. J, 2020: 6) Dizer-se várias, é por um
lado, recusar este eu cartesiano que existe per si e por
si, e afirmar as existências múltiplas que compõem a nossa
pessoidade. Por outro lado, é testemunhar a própria
dialética entre a razão e a emoção, entre essas várias.
Trata-se de um pensamento profundamente ancorado dentro de
uma cosmovisão mais ampla, que concebe a existência como
coletiva e a própria pessoidade como receptáculo de
múltiplas existências materiais e imateriais, orgânicas e
inorgânicas.
Sussurros: o chamamento como tributo às/aos
ancestrais
Procuramos por trilhos do sensível e refúgios sencientes
que, quais portais de uma “quarta dimensão” (Soyinka,
1973) - este abismo anulador e transformador que é o
caminho de travessia entre mundos nos possibilitasse uma
transição fluida entre: o universo, a pessoa, o divino e o
cosmos. Este momento foi buscado graças às místicas
iniciais. Desta forma, o ritual das místicas permitiram
tanto o contacto como a porosidade. Abrir os poros permite
receber e canalizar o sentir, assim como entrar em
contacto com formas não materiais de existência,
nomeadamente, as/os nossas/os ancestrais. Estas místicas
formaram momentos de potência nos nossos encontros porque
através delas confirmamos a nossa pertença ao coletivo e
reforçamos as linhas que nos ligam.
No sexto e sétimo encontros a mística marcou a cadência
em dois momentos, onde a ancestralidade foi trazida,
enfatizando assim essa ideia de continuidade,
circularidade e fluidez desta jornada-Sakofa. Se, num
primeiro momento, o ritual místico convidou-nos a evocar
às/os nossas/os ancestrais; num segundo, o convite foi de
pensar a possibilidade de partilhar essas/es ancestrais. O
desafio lançado consistiu em considerar uma ancestralidade
partilhada, de forma a melhor vislumbrar um horizonte
comum. Pensar a questão de uma ancestralidade partilhada
ajuda-nos a olhar de uma forma outra as grandes
divergências filosóficas que circulam em torno das três
grandes perguntas existenciais quem somos?, de onde
viemos? e para onde vamos?
As funções da ancestralidade, entre a
ancestralidade e a materialidade
Dizer-se várias, por outro lado, é permitir a construção
de algo em comum, mesmo face às diferenças várias que nos
atravessam: origens, subjetividades, interesses,
sentimentos, desejos e lutas. É também problematizar as
ausências, o que não aparece, o que não suscita interesse
nem curiosidade, o que desconhecemos, o que não sentimos e
que, precisamente por isso, causa violência na nossa
memória comum: “yo les preguntaría, por ejemplo, qué
sabemos de los líderes y lideresas colombianos que también
han muerto, y cuántas veces quisimos hablar de ello”.
(A.M., 2020: 7)
O aspecto genealógico torna-se demasiado restrito e quiçá
irrelevante para a ancestralidade no sentido amplo. Os
contatos e os vínculos que se vão criando redefinem a
própria noção de família e de pertencimento, aumentando a
elasticidade do conceito, considerando as coisas da
natureza como elementos também ancestrais e portadores de
informação e saberes, como as pedras, as quais são
reconhecidas como ancestrais nos rituais de Temazcal, a
ancestralidade como uma “uma rede com vários elementos”
(M.M., 2020: 7) formada por várias outras existências que
de facto compartilhamos. Agir neste mundo incita-nos não
só a multiplicar alternativas emancipatórias para o
futuro, mas implica também assumir responsabilidades com o
que nos rodeia. De facto, percebemos que existem
resistentes redes de apoio que nos entrelaçam, que nos
envolvem e que nos projetaram para este doutoramento, o
próprio espaço de doutoramento integra essa rede.
Linhas que se emaranham para formar a
coletividade
Nosso processo de tecitura, permitiu-nos reconhecer que
somos aprendizes de muitas maestrinas e maestros,
aprendemos a agradecer em línguas não nossas. Para nós, a
gratidão tornou-se uma política do amor revolucionário,
para dizê-lo com Houria Bouteldja (2016). Na verdade, a
ideia das redes levam-nos a pensar a gratidão, também como
proposta de justiça cognitiva, porquanto
assiste-nos, uma responsabilidade, um compomisso comum, de
reconhecer todas as pessoas que nos têm permitido chegar
aqui:
...seria importante pensar, e aí pensamos no poema que a
professora Maria Paula Meneses nos dedicou e a […] nos
compartilhou: Os pés da mesa (Mutimati, 2008) ,
a ideia de que os ancestrais também são parte dessa nossa
mesa que nos sustenta. [Que eles são] uma das nossas redes
de apoio. Que estamos aqui no doutorado, estamos
problematizando isso, também por várias redes de apoio que
nos possibilitam isso. Sejam nossos familiares, amizades,
aqueles seres que talvez já não estejam presentes no mundo
material, mas que também são inspiração, ideias e exemplos
que temos. (W.P.L., 2020: 7)
Conversas no silêncio e o silêncio como
conversa
En su Conversación Infinita Maurice Blanchot
preguntaba: “en qué momento y cuántas veces, cuando ocho
personas están sentadas en el horizonte de una
conversación, conviene tomar la palabra si no se quiere
pasar por silencioso (Blanchot, 2008: 94). Estabelecer a
relação entre nós implicou também reconhecer que existem
canais de comunicação outras, formas de dizer outras,
línguas outras e que era mister incluir e ativar todas as
possibilidades de expressão “É exatamente por transitarmos
por diferentes espaços, com distintas línguas, temos
distintas bagagens. Cada um de nós tem diferentes bagagens
que nos permitem ver o mundo com diferentes lentes”
(W.P.L., 2020: 7)
Isso levou-nos sobretudo a considerar e a respeitar
formas não-verbais de linguagem e a entender o próprio
silêncio como possibilidade de conversa. Percebemos que,
para que o silêncio se torne de facto conversa, é preciso
que a intimidade, a compreensão mútua, a sensibilidade de
sentir a outra sejam maturadas, o que, mais do que mera
vontade, demanda tempo, demanda aprendizagem a conversar.
Perceber essa importância de tecer o próprio silêncio,
levou-nos a aprofundar e a complexificar o nosso
posicionamento sobre a questão dentro do espaço acadêmico,
em que tanto a fala como a escrita são consideradas como
as formas únicas de construção de aprendizagens e de
difusão do saber: O silêncio pressupõe, geralmente, uma
impossibilidade de falar e, logo, uma ausência de
conhecimento e de possibilidade de aprendizagem como
expone-nos Raquel Lima (2020).
Esta sobrevalorização da fala em detrimento do silêncio,
implica desenvolver formas de silenciamento que
impossibilita considerar as potências do silêncio dentro
dos coletivos e das lutas várias. O silenciamento imposto
pelo espaço acadêmico garante a performance perpétua da
fala enquanto poder totalizante de um conhecimento
vertical e doutrinal. Expressar-se pela fala ou pela
escrita verbal - e de preferência nas línguas hegemônicas
do norte global e de suas academias - é o mais sagrado dos
dogmas desses templos do conhecimento que são as
universidades ocidentalizadas.
Ao longo dos nosso encontros os silêncios estiveram
sempre presentes e por diferentes motivos: tensão,
cansaço, a própria virtualidade do encontro, hesitação,
emoção ou simplesmente e por vezes, de facto enquanto
conversa e cumplicidade.
De forma geral, a nossa posição face a esses silêncios
foi mudando à medida que fomos aprendendo a respeitar os
minutos longos e curtos de ausência desta fala
não-verbalizada. Mesmo nos momentos de tensão gerados por
algumas questões que provocaram desconforto, o silêncio
pareceu fluir não como escape, mas como tentativa de
conexão com o nosso âmago, essa nossa pessoidade plural, a
fim de nos questionar e melhor nos conhecer. Evidentemente
o espaço virtual carrega algo de performático na forma
como nos colocamos - a frente dos nossos computadores -,
em que o silêncio é encenado pelo próprio microfone quando
se encontra desligado: “os silêncios virtuais são muito
mais incômodos que os silêncios presenciais. Os silêncios
presenciais são comportados por várias outras coisas que a
gente aqui nao consegue. O silêncio traz todas as
expressões corporais que a gente aqui não tem acesso, ou
tem acesso muito restrito” (W.P.L., 2020: 7).
Conversas em roda, palavras andantes, zunidos no
Zoom
Palabras andantes
Es habitual que a lo largo del tiempo las palabras
pierdan alguna de sus partes. Algún prefijo o algún sufijo
que deja de significar, o, mejor dicho, la palabra en sí
ya significa sin necesidad de esa otra parte que antes la
constituía. Alguna H, alguna R, alguna S, que desaparece y
se olvida. Otras veces es toda la palabra la que deja de
existir. Pero hay veces que sorprendentemente a una
palabra se le coloca una singularidad. Nos del latín
nosotras. Nós del portugués nosotras. Nous del francés
nosotras. Noi del italiano nosotras. ¿Y por qué en español
a esa raíz del nos se le incorpora el sufijo otras? ¿De
dónde y de cuándo aparece la necesidad de nombrar a la
otredad para entender la mismidad? Pero hay
singularidades. Ese nos-Otras, incorpora ese
otras para remarcar la noción del cum, de la relación. Una
relación que no tiene por qué ser bidireccional. Una
relación que puede consistir en el cortocircuito de la
propia relación. Porque el nos se configuró a partir de la
contraposición a esa otredad.
¿Cómo podemos contagiar la relación de tal forma que se
confundan la unicidad del nos y la multiplicidad del
otras? ¿Cómo confluir? ¿Cómo convenir? He aquí el cum del
contacto, del contagio, del común, de ser las unas con las
otras, sin necesidad de reforzar una identidad. Hacernos
colectivo, hacernos comunidad. Ser-las-unas-con-las-otras,
ahora sí, al nos-Otras. Es este el acontecimiento donde la
unicidad se hace multiplicidad. Donde la singularidad se
hace pluralidad. Donde el conloquium, donde la puesta en
común, la juntanza, es lo que permite el guión que une el
nos y el otras. Donde la comunicación es entre nos pero
siempre presentes las otras. Porque lo común que pudiera
aparecer en un trabajo colectivo sólo tiene sentido a
partir de esa otredad que nos constituye, a partir de esa
presencia invisible, de esa memoria compartida: porque la
otra no dejó de ser “yo misma”. Por eso decimos nos-otras
también cuando decimos nosotras, en Colombia o en
Andalucía, en Cabo Verde o en Brasil, en Suiza o en
Portugal. Porque solo en la otredad y a partir del cum la
lengua compartida, se hace más presente todavía. Solo en
la otredad el cum del contacto, del contagio, nos hace,
nos acontece. Conspiramos. Conspiremos.
Conversas em roda e o que é o coletivo?
Numa carta a juventude escrita em 1985 Amadou Hamapté Bâ
escrevia que:
o grande problema da vida é a compreensão mútua. É certo
que, tratando-se de indivíduos, nações, raças ou culturas,
somos todos diferentes uns dos outros; mas temos também
todos algo semelhantes, e é isso que devemos procurar para
podermos reconhecer-nos no outro e com ele podermos
dialogar. Então, as nossas diferenças, em vez de
separar-nos, tornar-se-ão complementaridades e fonte de
enriquecimento mútuo. Assim como a beleza de um tapete se
deve à variedade de suas cores, a diversidade de homens,
culturas e civilizações fazem a beleza e a riqueza do
mundo. (Bâ, 1985)
Quisemos compor este tapete, tecer esta colcha de
retalhos, confluir as nossas experiências. Por isso
conspiramos, respiramos juntas. Para nós o coletivo
enquanto processo e caminho ainda em construção significou
muitas coisas e implicou pensar o dissenso e consenso como
partes desta confluência. Assim, as perguntas o que nos
une?, o que é o coletivo? e o que nos incomoda? foram as
grandes orientadoras das conversas nas quais nos
encontramos. Respondemos na pluralidade uníssona da nossas
vozes, verbo e silêncio:
O coletivo como...
Espaço de solidariedade: “o coletivo só se constrói a
partir do momento em que a empatia se transforma em
solidariedade […] não basta só ter a capacidade de
reconhecer no outro os sentimentos e as sensações e as
suas lutas, mas é realmente no ser solidário com essas
lutas que se gera o coletivo” (B.L., 2020: 6).
Coletivo como prática de complexificação das nossas
lutas: “o que nos une é a possibilidade de complexificação
das nossas lutas e das nossas existências [...].. cada uma
de nós estamos engajadas em lutas que se unificam no
horizonte de um mundo mais justo” (B.J., 2020: 6).
O que nos une é compartilhar vulnerabilidades: “o que
todas nós temos em comum é a vulnerabilidade e a
dependência das outras” (W.P.L., 2020: 6).
A solidão como não lugar, o coletivo como acolhimento:
“talvez simplesmente o que nos une é não querer ficar
sozinhas [...] É não querer ser solitário e isso reverbera
na vida acadêmica e em toda a vida. A necessidade de não
estar vivo solitário” (C.K., 2020: 6).
As trincheiras, as frentes, a organização, a luta: “a
luta é o que temos em comum, um comum que é cheio de
complexidades. Podemos ter várias frentes de luta, mas a
guerra é um só. Ela é contra o capitalismo, contra o
colonialismo, contra o patriarcado. E o que não nos une,
se calhar, são as várias formas de fazer essa luta” (C.A.,
2020: 6).
Pensar em o que não nos une, reconhecer e, sobretudo,
complexificar o comum implica uma reflexão profunda e
crítica sobre o que hoje chamamos alianças. É certo que o
nosso coletivo é constituído por pessoas diferentes em
termos de trajetórias e objetivos, porém a distinção mais
flagrante tem a ver com o gênero e a pertença racial. Por
isso, questões como o patriarcado e o racismo nos tocam a
todas como temáticas comuns e sensíveis. Contudo, não
estamos nem viemos dos mesmos lugares, da mesma história.
Não habitamos a mesma dor, não temos os mesmos traumas.[11]
Como espectros escondidos no âmago de nós, os nossos
traumas nos acompanham colocando-nos constantemente em
alerta, em situações de desconfiança. Por outro lado, os
traumas, as dores, podem também se geradoras de processos
emancipatórias, de catarse coletiva quando quando são
reconhecidos e quando se ativa a reparação. Sobre isto
podemos aprender muito com as lutas negras e indígenas.
Falar dos traumas implica permitir-se uma certa
vulnerabilidade, deixar-se olhar e assim expor os nossos
espectros, perder controle sobre uma parte de si. Falar
dos traumas implica este descentramento difícil que exige
muito cuidado porque há essas questões profundas que
exigem tempo e, sobretudo, muita confiança, genuidade e
disposição para sermos confrontadas com as nossas
incoerências, superficialidades e feiuras. Num espaço com
várias mulheres brancas a questão da branquitude, da
genuinidade, fez-se presente como assunto de tensão e auto
questionamento? Os nossos encontros aconteceram em pleno
contexto das mobilizações mundiais inéditas contra o
racismo. Como confiar? Como criar possibilidades que
dessem conta dessas dores, umas fenotípicas, outras
vivenciadas?
tem sido, na verdade, muito difícil, mas extremamente
difícil confiar, criar conexões e ver possibilidades. Não
estou a falar de alianças porque eu sinceramente tenho
muita reticência com palavra aliança... considero a
aliança como aquilo que é possível e nós temos que ir além
disso. Temos que criar comunidades e fraternidade. Temos
que criar família mesmo, família humana e para além de
humana. Por isso acho o termo aliança muito limitador. E
é por isso que tem sido muito difícil estar em muitos
espaços, inclusive neste doutoramento, inclusive em
relação a vocês, que são pessoas brancas, por mais que
tenham um pensamento crítico, porque há um conjunto de
coisas que vos antecederam e que também me antecederam e
que nos… torna super difícil criar um espaço como este que
estamos a tentar fazer, de genuinidade. (C.A., 2020: 4)
Zunidos no Zoom
Neste processo percebemos que os nossos encontros foram
também espaços de descentramentos, nos quais reconhecimos
como o gênero, raça, sexualidade, classe, lugares e
contextos, subjetividade e coletividade, mais que
temáticas, são várias pontas poderosas que apontam para
assuntos difíceis, cuja abordagem, embora superficial
devido ao curto espaço de tempo, mostrou que ainda que
fosse “extremamente difícil confiar” podíamos conversar e
compartilhar.
Os campus do saber universitário, com as suas salas de
aula ora celas, ora refúgio, são lugares limitados e
limitadores. Insuficientes e impróprios para trazer a
tona, de forma implicada, questões políticas essenciais
como a branquitude, a raça ou a sexualidade. Quiçá por
isso, dentro desse deste texto, ousamos a fuga e assim
foi-nos possível falar de forma implicada, não apenas do
que nos une, mas também do que nos impossibilita de
aproximar-mos umas às outras:
acho que me fez pensar muito e me colocou nesse espaço de
incômodo foi quando […] comentou, nesse espaço de estar
criando comunidade, a frase “como a gente cria esse espaço
de compartilhar, que necessariamente passa pela confiança,
com pessoas que talvez você desconfiasse pela falta de
experiências?” Foi uma frase que me impactou muito. Essa
frase ficou marcada e me fez sair da minha zona de
conforto. Realmente entendo que a branquitude é lida de
distintas formas [...] me fez ficar numa posição de… o
processo de reconhecer meus privilégios nesse processo
interseccional passa por experiências que eu efetivamente
não vivo. Algumas delas pelo fato da minha cor de pele não
me trazer experiências distintas [violentas] ao ir ao
mercado, por exemplo. Passo por situações incômodas, mas
elas não passam pela minha cor de pele. (W.P. L., 2020: 7)
é bastante embaraçoso esse exercício de falar o que
incomoda. Eu tenho muita dificuldade. Mas… eu pensei no
que me incomoda partindo dela […] e a reflexão foi sobre o
tema da precariedade que ela aborda. Eu fico pensando
“como você pode dialogar sobre precariedade a partir das
suas experiências e lidar com seus privilégios dentro do
que descreve como precariedade e com outros modelos de
precariedade?” Porque, para mim, às vezes, a precariedade
que a […] descreve me parece uma condição confortável
diante do que é a minha precariedade, por exemplo. E isso
não é uma crítica pronta, eu não sei como lidar com isso,
porque eu penso também em outras experiências com minha
mãe, por exemplo. Às vezes me lamento com ela sobre
determinadas condições e ela me fala, “ah, pior é quem
está doente no hospital… quem não tem comida…”. É sempre
assim, você não pode reclamar porque tem gente em condição
muito pior que a sua. E isso é uma violência. Então, como
reconhecer que de fato existem situações muito piores do
que a sua, não invisibilizar isso, mas também o quanto são
legítimas as minhas dores, mesmo compreendendo os meus
lugares de privilégios e que tem gente em condição muito
pior do que a minha. (B.J., 2020: 7)
Os descentramentos que as nossas discussões originaram
desde o nosso encontro no doutoramento levaram a repensar
nossos lugares dentro dos campus universitários e nos
invitaron a repensar nuestros propios temas de
investigación. Como incluir, como redefinir, como fazer
com que as nossas temáticas sejam “porosas a todos os
fôlegos do mundo” (Césaire, 1983) De certa forma este
descentramento permitiu também repensar a própria
solidariedade e a autoria, porquanto, ao aprender com as
experiências alheias, ao reconhecer os traumas dos outros
e respeitá-los, estamos, de certa forma, a criar
possibilidades de âncoras poderosas entre as nossas
investigações, o que nos leva a pensar as nossas teses
como produtos de um trabalho coletivo:
para mim o mais impactante foi no Magusto quando ela […]
nos pergunta se nós somos todos heteros e cisgénero. E eu
pensei “realmente, isto não é uma questão” e depois eu
pensei “mas não é uma questão porque tu assumes que as
pessoas são iguais a ti, ou seja, hetero e cis, ou porque
estás a tentar transmitir que é algo em que não reparas”,
que é diferente. E cheguei à conclusão que sou eu que acho
sempre que toda a gente é igual a mim, porque é mais
fácil. Isso levou-me a pensar como é que vou incluir isso
dentro da minha pesquisa. Toda a lógica do meu pensamento
sobre a violência obstétrica e ginecológica estava voltada
para a ideia da mulher hetero e cis, porque é aquilo com o
qual eu mais me identifico. Não é como se eu fosse
completamente ignorante em relação ao assunto, mas
simplesmente nunca me tinha ocorrido trazer isso para
dentro da minha pesquisa. Pus-me a pensar como vou trazer
isso, porque a forma mais fácil que tenho de justificar o
porquê de estar a fazer isto, é porque é algo que me
atravessa como mulher. Como é que vou trazer vivências que
não são minhas? Porque além do facto das outras
sexualidades, também há a questão racial. E se a questão
da raça já me tinha causado muito desconforto, ao pensar
como é que vou tratar isso, estava a esquecer-me do mais
óbvio - não é o mais óbvio, mas enfim - que é como pensar
as diferentes sexualidades e diferentes formas de viver o
género, quando se fala de justiça reprodutiva. Também me
fez pensar sobre o nosso próprio desconforto em relação à
pergunta. (B.L., 2020: 7)
Longe de ser um espaço totalitário, este coletivo que
formamos não responde a todas nossas questões e
preocupações quotidianas essenciais, vitais. Por isso,
também nos apresenta o seu limite e o seu potencial, assim
como o seu futuro, e depende da consciência que temos, ou
não desses limites.
Horizontes
O que nos une? Parece-nos termos estado em
sintonia quanto às perspetivas emancipadoras que
vislumbram sociedades antirracistas, descolonizadas,
descapitalizadas e despatriarcalizadas enquanto horizonte
comum. Aproveitamos cada trilho, cada rota, cada pedra,
cada encontro, cada paragem, cada porto… Cada retorno,
cada recomeço. O projeto de costurar nossas experiências,
memórias, lutas e conhecimentos cresce no espaço acadêmico
do doutoramento e outros, além dele, e parte das
possibilidades de encontros que este espaço nos gerou.
Emerge, também, como uma maneira de questionar essa
experiência doutoral, que se faz elo, apesar de termos
perspetivas diferentes de como fazer isso. O presente
apartado apresenta as reflexões finais do nosso processo,
assim como algumas das (im)possíveis conclusões.
(H)aMar (h)a terra – afrofuturismo e
afrotopia
Nesses caminhos, aprendemos a fazer da conversação,
pontes, trincheiras e abrigos onde possibilidades são
cogitadas e futuridades inventadas. Viemos de muitos
lugares. Do ventre de navios que transformamos em
terreiros já nos escuros porões, de terras colonizadas, de
terras que colonizaram, de vales e montanhas. Somos,
contudo, herdeiras de múltiplas resistências, partilhamos
ancestralidades. No nosso percurso, escutamos as vozes dos
quilombos, dos terreiros, das tabankas, dos marrons, todos
os mayores y abuelos para podermos conhecer as artes de
pensar e inventar futuros. Entre as utopias que
aprendemos, trazemos aqui duas que estiveram presentes nas
nossas conversações: o afrofuturismo e a afrotopia.
O afrofuturismo foi cunhado no início dos anos 90, por
Mark Dery e define-se como uma ficção especulativa que
trata os temas afro-americanos no século XX. Afrofuturismo
pode ser amplamente definido como vozes de
afro-existências com outras histórias para contar sobre
cultura, tecnologia e coisas que estão por vir (Nelson,
2002: 9). Esta reflexão coletiva liga-se ao afrofuturismo
ao identificarmos que desvencilharmo-nos do pensamento
colonial restritivo e incapacitante, dá lugar à
consciência das multidões de variadas possibilidades e
probabilidades dentro do universo (Rollins, 2015: 1).
Esses múltiplos universos incluem-se na forma como o
trabalho foi concebido em termo de uma circularidade
aberta, representadas pelo Adinkra Sankofa. Si el
afrofuturismo nos invita a perspetivar futuros, la
Sankofa, nos invita a compreender os caminhos das lutas e
perspetivas que nos enlaçaram, revisitar os caminhos
percorridos e quais rumos seguir. Assim, nossa primeira
tarefa do encontro 9 foi imaginar quem seríamos se
fizéssemos um retorno de duzentos anos na história.
Para duas das compañeras, essa volta a duzentos anos
representava marcas muito profundas ligadas às violências
da escravatura e da colonização. Uma de nosOtras lembrava
como o seu apelido pressuponha a pertença a um
escravocrata que teria esse nome, pelo que afirma que há
200 anos: “teria um outro nome, na minha própria
cosmovisão africana. E ter esse outro nome não europeu,
pressuporia ter uma série de outras possibilidades
existenciais. [...]” (C.A, 2020: 9). Outra compañera
também, lembra o passado colonial associado ao seu
apelido, de origem italiana e possivelmente, também de um
senhor escravagista. Ela contou também de como se
reapropriou da alcunha ‘Arapuá’.[12]
Davam-lhe esse nome, referindo-se ao seu cabelo crespo e
volumoso. Com o novo significado, de abelha, o nome passou
a ter um significado muito profundo e valioso. Voltando
200 anos atrás, ela pensa-se nascida, ainda, na América
Latina, mas ao contrário da história de violência que
acompanha a vida das suas avós e bisavós: “[…] quando
voltei nesse tempo, renascia na América do Sul, mas não
seria fruto de estupro” (B.J., 2020: 9).
A consciência das violências coloniais é parte
fundamental para construções de caminhos de superação e
transformação das estruturas alicerçadas por estas. É
importante (re)conhecer as violências, que muchas veces
nos anteceden e impiden la genuinidade entre nosOtras,
manter vivas suas memórias, pois esse reconhecimento é
imprescindível para a compreensão do presente e para
perspetivar futuros justos, com tempos refletidos a partir
de circularidade aberta. Ressaltamos, porém, o perigo de
nos fixarmos nas memórias e experiências de violências,
sem acolher e reconhecer resistências transformadoras,
potencialidades criativas e de constituição de laços de
afetividade.
Se é certo de que do convés dos navios se gerou a morte,
do porão também se gerou vida e múltiplas formas de
resistência. Também é certo, que houve quem talvez nunca
tivesse visto o que havia além do horizonte marítimo. O
passado é feito de vários lugares e as narrativas
hegemônicas também escondem outros mundos, povos e
relações afetivas. Não importa o lugar que ocupavam as/os
nossas/os ancestrais, se formos incapazes de reconhecer a
totalidade do passado como parte de nós. O diálogo entre o
passado e o futuro joga-se nessa dualidade entre
sabermo-nos parte de algo maior e reconhecermos as suas
dissonâncias.
Foi com a proposta de nos pensarmos como parte dessa
dualidade e desse futuro colaborativo que, no mesmo
encontro, tivemos a tarefa de pensar: a partir das
experiências individuais e coletivas e das ferramentas que
utilizamos/criamos até o momento, para o fortalecimento
das nossas lutas, como imaginávamos o mundo, e a nossa
participação nele, daqui a 30 anos?
Em alguns de nossos relatos expressamos a dificuldade de
pensar numa noção linear de tempo. A ideia de pensar no
tempo futuro é atravessada por sua relação com as utopias
e parece surgir em nós outras questões: quais são as
utopias que consideramos possíveis neste tempo que foi
referido na pergunta? A primeira de nós em intervir, por
exemplo, sonhava com o fim do conflito armado en Colombia:
“seguirán violencias, pero habrá siempre más islas
pacíficas, que permitan otras construcciones y permitan la
convivencia. Nos imagino como hormigas o abejas” (H.C.,
2020: 9). Para outra compañera (M.M.,2020: 9), a utopia
passava pela aceitação não conformista do presente, de si
mesma, dos que a cercam e do mundo, procurando a
transformação, entendo que é um processo. Outra de nós
imaginou um mundo de valorização da experiência individual
para a construção do coletivo (B.L., 2020: 9). Outra
manifestou que pensava o tempo futuro como uma potencial
armadilha, por não existir e perguntava: “como é possível
pensar em algo que não existe? A gente só pode pensar em
algo que não existe pensando que será algo melhor que
hoje, contemplado numa ideia de progresso, de
desenvolvimento, de melhora” (W.P.L., 2020: 9). Uma das
compañeras confessava que, trinta anos era muito próximo
para crer em transformações estruturais, mas procurava
manter a esperança, de uma nova reforma na saúde, no fim
das violências de género e que “[não estivesse] tão
cansada a ponto de desistir de lutar pela coletividade e
seja mais uma a pensar só em mim” (C.K., 2020: 9). Por sua
vez, uma compañera compartilhava que se imaginava ainda
transitando na universidade: “una academia reflexiva,
ʽsenti-pensanteʼ, ʽcorazondoʼ con las luchas que se siguen
revelando contra las diferentes formas de opresión
existentes” (A.M., 2020: 9). Pensando num futuro como
professora, uma das compañeras descreve que “[…] me penso
seguindo na luta por justiça social e justiça cognitiva.
Creio que ainda será muito necessária, por isso, eu me
penso sendo professora, e essas experiências já são parte
desta luta” (B.J, 2020: 9). Finalmente, um compañero,
compartilha que avançar três décadas e convocar uma noção
de futuro lhe criava uma improdutividade, mas que ainda
assim: “este trabalho mostra que já estamos no futuro. E
esse futuro que é presente e passado, está ainda em
construção” (A.C., 2020: 9).
Diante de tantos incômodos e reflexões geradas pelo
conceito - futuro, pensamos: “dialogar com um conceito
mais abrangente, então?” Assim, embarcamos rumo à
afrotopia. A Afrotopia é uma utopia ativa que perspetiva
descobrir, na realidade do continente africano, seus
imensos espaços de possibilidades, e fecundá-lo (Sarr,
2019). Este processo de descoberta passa também por um
retorno às fontes, às raízes, e a partir dali construir
uma África vindoura. Para Sarr (2016), a descolonização
dos olhares deve fazer parte do projeto de construção de
novas formas de cidadania no continente africano, a partir
das quais vai ser possível definir estratégias e caminhos
que possam garantir acesso à recursos para todas e todos
do continente, colocando África num diálogo não subalterno
a nível planetário. Em suma, Afrotopia propõe que África
volte a ser como outrora, o pulmão espiritual do mundo.
Porque Afrotopia? Porque África? Talvez por ser o
continente berço da humanidade? Resposta muito óbvia e
pouco satisfatória. Talvez por ter sido a incubadora das
grandes civilizações a partir da qual outras surgiram?
Resposta que não agrada a todas e nem gera consenso.
Talvez porque foi e é o continente onde todos os tipos de
visões de mundo se colidiram e se encontraram e todo o
tipo de atrocidades foram experimentadas em primeira mão?
Quiçá, pela sua porosidade a todos os fôlegos do mundo? Ou
ainda, por ser onde tudo começou e a partir de onde tantos
novos começos se desenham?
A circularidade
O trabalho coletivo nos reafirmou a importância de que os
processos pedagógicos na academia, especificamente na
formação doutoral tem de ser problematizados, sobre tudo
aqueles que favorecem o individualismo e a competição.
Desta maneira é necessário pensar sobre os processos
avaliativos, o tempo da academia, a autoria na produção de
conhecimento e a forma como o conhecimento acadêmico é
produzido. Também a importância de espaços e processos de
reflexão coletiva que permitam desvelar aquilo que
normalizamos em nosso relacionamentos durante o processo
de formação em clave de: raça, género, religião, classe
(...) e que fazem parte de nossas formas de construir
conhecimento desde o corpo, a experiência e as lutas e com
isto também, apostar na construção de vínculos e
solidariedades a partir do pedagógico.
Neste processo confrontamo-nos com os próprios problemas
que apontávamos à academia, a falta de tempo, demasiadas
questões sem termos a possibilidade de as aprofundar
devido às várias demandas da produtividade académica. O
tempo. O tempo de todas as nossas inquietações.
Talvez o que queríamos com este trabalho coletivo, era
gritar e dizer que acreditamos que não precisamos e não
queremos viver esta caminhada sozinhas, e assim, nos
unimos, nos separamos, por vezes, nos repelimos, mas, há
em cada uma de nós, perspetivas de horizonte que se
constituíram como um cordão umbilical. Também em acharmos
que temos uma responsabilidade social, até pelo lugar
privilegiado em que nos encontramos e por isso concordamos
com Paulo Freire em Pedagogia da indignação,
quando nos diz que: “uma das primordiais tarefas da
pedagogia crítica radical libertadora é trabalhar a
legitimidade do sonho ético-político da superação da
realidade injusta” (Freire, 2000: 43), com isso queríamos
reafirmar o nosso caminhar para o utópico.
Quando iniciamos a discussão sobre o fim deste trabalho
nos perguntamos que nome e sentimento teria esse fim.
Seria um ponto final com o trabalho entregue? Teria o nome
conclusão? Acabaria com a produção de um material? Não
soubemos ao certo responder como seria o nome e de qual
forma terminar, mas soubemos de imediato que não seria com
um ponto final. Por que, então, como Pepetela em A
Geração da Utopia (1992), não terminar sem um ponto
final?
Cogitamos a hipótese (essa também considerada uma
proposição de possibilidade futurística) de não concluir
nosso texto, pelo menos não da tradicional maneira
académica a qual fomos adestradas a fazê-lo, mas de
abandoná-lo temporariamente, deixá-lo repousar para que
também repousemos. O abandono permite o eterno retorno. E
se nos guiamos em uma jornada-Sankofa, por que não poder
revisitar este texto que questiona o modo de criar
conhecimento? Por que não o deixar aberto, poroso,
recetível, viajável, mutável, desterritorializável para
que mais mãos que as nossas 16 possam tecê-lo? Por que não
permitir que a nossa análise não será completa, mas
possível e aqui, neste tempo do agora e que neste
tempo-agora podemos chegar até essa conclusão sem ponto
final? Mais ainda, que podemos revisitar este trabalho,
quantas vezes for possível, para que: “todos nossos
encontros sejam lugares para voltar a ter esperança, para
lembrar que em tempos de coronavírus nos reunimos para
fazer esse trabalho coletivo, o qual eu já não creia
possível, esse trabalho muito bonito que temos feito”
(W.P.L, 2020: 9).
Portanto, abandonar nosso texto pode ser uma
forma de reconceptualizar a ideia de abandono, uma forma
de problematizar e recusar uma conclusão académica. Mais
do que isso, abandoná-lo devem imprescindível, porque a
conclusão faz do texto imutável, irrevisitável,
hermeticamente fechado.
E ao fechar um texto com um ponto final o construímos
como monumento, como dogma inquebrantável. Todas sabemos
que os monumentos sempre podem cair, basta um empurrão. O
abandono deste texto, assim, foge dos pedestais, das
estátuas, dos monumentos e dos museus do conhecimento.
Porque já sabemos que esses museus são só espaços em que
se conservam as musas, espaços que as raptam, as encerram,
as enclausuram. O que aprendemos nesse trabalho de
reflexão coletiva é precisamente a necessidade de sair
dessa clausura, porque as musas necessitam do diálogo
ininterrompido, da conversação infinita que somente é
possível a partir do nosso contacto e do nosso contágio.
Desse diálogo entre nosOtras...
Dentro das utopias que nos unem, esse trabalho coletivo
surge como uma tentativa de concretização de nossa
ousadia, que aqui é evidenciar como academia, afetos,
intimidade, memórias, espiritualidade constituem nosso
processo de aprendizagem. Onde estão esses horizontes? Que
horizontes são esses? Que lutas são essas? Quanto tempo é
necessário? Não temos resposta. Convidamos-te, leitora e
leitor, a gerar as tuas próprias questões e a pensar tu
também a utopia, mesmo que – no fim de contas – não
obtenhas nenhuma resposta.
Me tengo que ir[13]
Me tengo que ir, es muy tarde aquí,
Aqui é tarde e tem nuvens no céu,
Estou cansado de sonhar sempre nos mesmos lugares,
De repente embarco nessas nuvens para sonhar desde outro
lugar,
Eu preciso sonhar de outro lugar para que a esperança
seja um horinzonte possível,
Ese horizonte se hace posible si entendemos también la
crítica como posibilidad de amarnos,
Crítica é afeto,
Afetos a ti, afetos aos ancestrais, afetos aos outros, o
eu é um nosOtras,
Todo dia um dia um afeto-crítica vai nos assombrar,
Larguei a granada, mas no fundo queria fumar (outro)
cigarro, desta vez acompanhado,
Acompanhado por nosOtras,
Com nosOtras consigo me afastar do abismo,
Estou exausta, mas vocês sempre conseguem me fazer
sonhar.
Coimbra e muitos lugares, 13 de julho de 2020
Referências
Conversações entre nosOtras:
C.A. (2020), encontro 1 a 11
H.C. (2020), encontro 1 a 11
B.J. (2020), encontro 1 a 11
C.K. (2020), encontro 1 a 11
B.L. (2020), encontro 1 a 11
W.P.L. (2020), encontro 1 a 11
M.M. (2020), encontro 1 a 11
A.M. (2020), encontro 1 a 11
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Self-Knowledge, 10 (1), 45-52.
Özdamar, Emine Sevgi (1996), La lengua de mi madre.
Tradução de Miguel Sáenz. Madrid: Alfaguara.
Rollins, Andrew (2015), “Afrofuturism and Our Old Ship of
Zion The Black Church in Post-Modernity”, in
Reynaldo Anderson and Charles E. Jones (org.), Afrofuturism
2.0: The Rise of Astro-Blackness. Lexington Books,
127-148
Santos, Boaventura de Sousa (2007), “Para além do
pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de
saberes”, Novos estudos – CEBRAP, 79: 71-94.
Santos, Boaventura de Sousa (2018), O fim do Império
Cognitivo. Coimbra: Almedina.
Sarr, Felwine (2019), Afrotopia. N-1 USA:
University of Minnesota Press
Senghor, Leopold Sedar (1939), “Ce que l’homme noir
apporte”, in L’homme de couleur. Paris:
Editions Cardinale Verdier et al, 291-313.
Soyinka, Wole (1973), “The Fourth Stage: Through the
Mysteries of Ogun to the Origin of Yoruba Tragedy”, Myth,
literature, and the African world. Cambridge:
Cambridge University Press, 140-168.
[1]
Maribel Fernández Agudelo; Laura Brito; Jessica Bruno;
Apolo de Carvalho; Claudia Howald; Manuela Meireles; Karla
Costa; Luísa Winter Pereira.
[2]
Este artigo é parte de um texto amplo de reflexão
coletiva, realizado entre os meses de maio e julho do ano
de 2020 como trabalho final do seminário Globalizações
alternativas e reinvenção da emancipação social,
coordenado pelos professores Boaventura de Sousa Santos e
Bruno Sena Martins.
[3]
Este documento é mais amplo, para este artigo os acordos
serão apenas brevemente declarados.
[4]
A Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, instituiu, no
Brasil, reserva de metade das vagas a serem ocupadas em
instituições universitárias, institutos e centros federais
à estudantes autodeclaradas/os pretas/os, pardas/os e
indígenas e por estudantes com comprovada vulnerabilidade
socioeconômica, que tenham cursado o ensino médio em
escolas públicas. “Visam [...] corrigir os efeitos
presentes da discriminação praticada no passado, tendo por
fim a concretização do ideal de efetiva igualdade e a
construção de uma sociedade mais democrática para as
gerações futuras. (Munanga e Gomes, 2006: 186-187).
Estudantes beneficiárias/os desta política são comumente
denominadas/os de estudantes cotistas, no Brasil.
[5]
Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal.
[6]
Exibição do filme “O Regresso de Amílcar Cabral” de Sana
na N'Hada. Após a exibição, debate com Alexandra Santos,
Yussef e Marinho Pina, facilitado por Sílvia Roque. -
21/01/2020, no Teatro da Cerca de São Bernardo (Coimbra),
disponível em
<https://ces.uc.pt/pt/agenda-noticias/agenda-de-eventos/2020/os-regressos-de-amilcar-cabral>
[7]
Nas palavras de Emine Sevgi Özdamar: “En el idioma
extranjero las palabras no tienen infancia” (Özdamar,
1996: 58).
[8]
Adinkras são um conjunto ideográfico. Símbolos que
representam conceitos filosóficos, eventos históricos,
provérbios e outros aforismos africanos que transmitem
valores e princípios, assentes no espírito de união, de
comunidade, de solidariedade. São saberes e visões de
mundos.
[9]
“Não há mal em regressar e apanhar o que se esqueceu” ou
“em regressar para descobrir e reaprender”.
[10]
“A emoção é negra, assim como a razão é helénica”
(Senghor, 1939: 295)
[11]
Lembramos-nos aqui como experiência significativa, a
primeira aula de apresentação com a professora Maria Paula
Meneses, na qual nos perguntou: qual é o seu trauma? e
essa pergunta mudou a dinâmica da apresentação em que
dizemos comumente o que estudamos, onde trabalhamos sem
pensar nisso que motivo-nos profundamente a escolher o
doutorado.
[12]
“[..] descobri recentemente que arapuá é o nome que
comunidades tupi-guarani dão para uma espécie de abelhas”
(J.B., 2020: 9)
[13]
Poema coletivo criado no encontro de socialização como
mística de encerramento após apresentação final e
discussão deste trabalho. Cada frase é da autoria de uma
das compañeras, compañeros e do professor Bruno Sena
Martins (conversações entre nosOtras, 2020: 11).
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