|
Aula Inaugural
Programa Pós-Colonialismos e Cidadania Global
2005/ 2006
3 Fevereiro de 2006
Auditório da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
Elikia M'Bokolo
Directeur D'etudes, École des Hautes Etudes en Sciences Sociales
Culturas Políticas, Cidadania e Movimentos Sociais na África Pós-colonial
De que falamos quando falamos de pós-colonial, sentidos do pós-colonial e do pós-colonialismo?
Quando utilizamos o conceito pós-colonialismo podemos estar a falar de várias coisas: como um conceito operatório em ciências sociais, como uma postura de investigação, em relação à evolução contemporânea do mundo e não só relativo a África, e numa terceira acepção, que não é suficientemente utilizada, mas que é aquela que utilizo - não só enquanto historiador, mas também como alguém aberto às outras ciências sociais - e que pode entender o pós-colonialismo como uma situação.
Estas três acepções – o conceito, a postura de investigação e a situação – não funcionam necessariamente juntas e em sintonia, no sentido em que se pode abordar a situação pós-colonial numa postura pós-colonial; todavia há um grande número de pessoas que abordam a situação pós-colonial a partir de uma posição colonial. Este último ponto pode parecer conter uma contradição nos seus termos, ou seja, quando dizemos que há situações em que se aborda o pós-colonial numa postura colonial. Mas esta situação, um pouco paradoxal, reflecte o modo como num certo número de países, a memória, a memória incontrolada, ou a memória espontânea das pessoas, evoca por vezes a situação colonial como um espaço de comparação.
A análise da situação colonial e pós-colonial numa postura colonial levam-nos a traçar um quadro muito negativo da situação pós-colonial, quando comparada ao que se teria passado durante a situação colonial. A título de exemplo, em muitos países, nos anos setenta do século passado, ouvíamos muita gente interrogar-se sobre quando é que o pós-colonial iria terminar, quando é que a pós-colonização iria terminar para se tornar a ligar à colonização. Também podemos assistir a uma re-invenção do colonialismo em muitos dos países que foram metrópoles colonizadoras e isso também permite uma leitura pós-colonial.
Um exemplo disto e de que se fala muito na imprensa de língua francesa, é a posição da França de hoje a re-inventar o colonialismo, face à África pós-colonial. Desde há cinco ou seis anos, o debate sobre a memória adquiriu uma forte centralidade. Trata-se de um debate político e de um debate de ciências sociais, que consiste em dizer que ao se observar a África hoje, a África pós-colonial, se pode ver a África colonial como um fenómeno globalmente positivo. Desde 2005, uma lei votada no Parlamento francês verbaliza exactamente isso: que a colonização foi algo positivo e pede aos professores para transmitirem aos alunos essa ideia. Existe pois essa leitura concreta sobre o fenómeno nos países antigamente colonizadores e penso que a França não é o único exemplo. Existe, por conseguinte, uma leitura do pós-colonialismo em termos colonialistas. Esta leitura não é apenas uma leitura da África pós-colonial, mas tornou-se também, por ricochete, uma leitura do período colonial.
A noção de situação pós-colonial é construída sobre o modelo de situação colonial, conceito que nasce nos anos 50 do século XX. Trata-se de um conceito que não é de maneira nenhuma inocente, na medida em que se trata do período em que se tomou consciência política de que a colonização estava a terminar. Em todo o caso o conceito de situação colonial via nela algo de situacional, algo que estava a ser ultrapassado e essa passagem poderia durar, mais ou menos, um longo período.
Esta noção de situação colonial suscita muito interesse, porque integra situações específicas no terreno. Não é, por conseguinte, uma abordagem teórica mas uma abordagem prática que integra realidades de terreno e procura também analisar as relações de força entre os actores sociais. Para além disso - e isso poderia ser alvo de uma análise comparativa importante - insiste sobre o carácter importante, e mesmo decisivo, da iniciativa dos actores no terreno e das suas práticas, insistindo menos no ambiente envolvente, nomeadamente nas interferências externas. Se observarmos de perto este conceito de situação colonial, sobretudo para aqueles, como eu, que estudámos a situação colonial no seu término, verificamos que este conceito é muito interessante, mas insuficiente.
Se hoje decidimos construir a noção de situação colonial é preciso que retiremos dela a parte insuficiente. Devemos retirar duas coisas: a primeira, é a de ausência de temporalidade, facto que se nota nas abordagens da situação colonial (inclusivamente de Georges Balandier). Nestas abordagens mais antigas a duração, o tempo estava ausente e a situação colonial era vista como uma situação de algum modo estável, que se poderia prolongar de forma idêntica durante algum tempo. Parece-me que se acrescentarmos a essa noção a ideia de dinâmica, a ideia de fractura, de corte, assim como a ideia de permanência, de avanços e recuos ganharemos bastante, quer em observação dos fenómenos, quer em densidade analítica e, por isso, penso que estes novos contributos nos permitem ter uma noção de situação pós-colonial mais estimulante.
Se aceitarmos esses pressupostos devemos aceitar que a situação pós-colonial é uma situação para a qual há uma saída. De facto, um dos riscos que podemos correr é o de pensar que tudo o que vem depois da colonização é um pós-colonialismo e que, desse ponto de vista, o pós-colonialismo pode durar um longo período. Podemos assim perguntar se a Argentina, por exemplo, por ter sido colonizada, está numa situação pós-colonial ou se a Índia, por ter sido colonizada, está numa situação pós-colonial. Não pretendo abordar essa questão neste momento. Pretendo apenas sublinhar que a situação pós-colonial contém algo de particular que seria a ideia de que se pode sair dela, e, por isso, exige uma abordagem de temporalidade, uma abordagem de historiador.
A particularidade de África é que ela é pós-colonial de duas maneiras diferentes. É pós-colonial porque a África de hoje saiu da colonização imperialista, a colonização do fim do século XIX. Nesta medida pode-se dizer que esta situação pós-colonial é algo de previsível. Se tivermos em conta os clássicos, Hobson, Lenine, Rosa Luxembourg, é claro que o imperialismo para existir não tem necessidade de dominação colonial. O imperialismo pode passar por uma situação de colonização, mas não tem necessidade da dominação colonial. Daí que o capitalismo imperial colonizador seja característico de uma determinada fase da história que poderemos pensar como finita. Por isso, num outro discurso africano, a situação pós-colonial é designada de situação neo-colonial. Esse é um final da situação de colonização; outro final porém antecedeu esta saída colonial. De facto, antes da fase colonial moderna, a África conheceu uma outra fase que não é propriamente uma fase da colonização, mas que preparou a fase da colonização e que, em certos casos, até foi uma fase de colonização. Penso que em países como a África do Sul, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Gana, Costa de Marfim, podemos pensar em algo que não é propriamente a colonização, mas que preparou a colonização: refiro-me ao tráfico de escravos.
São fenómenos que considero importantes porque no debate sobre a pós-colonização em África intervém também o debate sobre o tráfico e a colonização. Podemos assim dizer que a África de hoje contém em si elementos destas duas situações: por um lado, de uma pós-colonização, que é a herança da colonização imperialista; por outro lado, mantém presente nas suas estruturas sociais, nas suas estruturas políticas mas também nas suas identidades, o legado de um passado anterior à colonização e que de certo modo preparou a colonização, ligado à captura, comércio e transporte de escravos.
Sairemos do pós-colonialismo?
O facto de se saber que é possível sair da situação pós-colonial tem implicações epistemológicas e práticas para as ciências sociais, especialmente no contexto africano. Os teóricos das ciências sociais que construíram as noções como a de «situação colonial» trabalhavam em articulação estreita com as práticas sociais, com as dinâmicas sociais dessa época, isto é, com os movimentos sociais do seu tempo. Podemos dizer que as ciências sociais em África têm uma longa genealogia. Nos anos 50 e 60 do século passado, elas jogaram um papel chave que corresponde a um momento em que os movimentos sociais gozavam de uma considerável dimensão. Foi um momento em que as ciências sociais foram de algum modo obrigadas a ter em conta as exigências científicas dos africanos, ou seja, foram obrigadas a ter em conta as epistemologias africanas. Durante estes anos os sociólogos, os historiadores, os politólogos, em suma, os cientistas sociais africanos tiveram como objecto de análise aquilo que a seus olhos constituíam as primeiras exigências de cientificidade do conhecimento das sociedades africanas. Hoje, por exemplo, se fizermos uma leitura dos textos dos investigadores destes anos 50, damo-nos conta que havia uma espécie de geração de intelectuais que – nomeadamente em 1956, no Congresso em Paris, em 1959, em Roma, em 1962, aquando da Conferência dos Africanistas reunidos em Accra – ouviram as exigências de cientificidade dos investigadores africanos. Do meu ponto de vista, os estudos pós-coloniais para irem adiante, para comportarem essa dimensão, essa carga optimista, através da qual acreditamos que as coisas podem mudar e que, por conseguinte, os investigadores poderão contribuir para as mudanças, têm de ter em conta e de integrar nas suas abordagens a cientificidade e as epistemologias produzidas pelas sociedades africanas.
Se aceitamos a ideia de situação pós-colonial com o seu carácter passageiro, dinâmico e mutável, eu avançaria então uma hipótese: que a situação pós-colonial que vivemos em África contém fases distintas e que podemos identificar algumas características específicas. Em relação às culturas políticas e às práticas de cidadania e dos movimentos sociais parece-me possível distinguir duas fases: uma situação pós-colonial propriamente dita, isto é, uma situação pós-colonial onde as determinações da colonização são muito visíveis. Podemos dizer que é a fase em que se encontra grande parte do continente. Para as ex-colónias portuguesas e para a África Austral em geral, podemos dizer que essa fase do pós-colonialismo nos levaria dos princípios dos anos 70 ao fim dos anos 80. Por que é que eu digo fase de pós-colonização propriamente dita? Porque ela é uma fase na qual as colonizações francesa, inglesa, belga, principalmente, perderam claramente a batalha política, foram claramente obrigadas a recuar, a fazer concessões no campo político. Todavia, penso que estas estruturas coloniais se esforçaram muito para não perder a guerra da dominação colonial, esforçaram-se por manter o que o discurso dos africanos designa por neocolonialismo. Desenvolvem-se assim um conjunto de estratégias: em primeiro lugar, estratégias políticas, a que se seguiram intervenções militares que foram contribuindo para que os poderes considerados nacionalistas, independentes, radicais, fossem eliminados da cena política por apelarem à revolução. São intervenções que se ligam à manutenção de bases militares nos antigos territórios colonizados e à preservação de ligações económicas características de economias de tráfico. Podemos também acrescentar que a estratégia de hegemonia cultural actuou de tal forma que à África francesa sucedeu a África francófona, à África inglesa sucedeu a África anglófona e, mais tarde, à África portuguesa sucedeu a África lusófona. Estamos de facto em plena pós-colonização, porque as neo-colonizações não pretendem recolonizar a África, mas tentam conservar o essencial do que caracteriza o regime colonial.
Do lado das elites políticas africanas damo-nos conta que essa elite pertence, sociologicamente falando, a um meio e mesmo a uma classe que conhecemos bem e que designamos por pequena-burguesia. Essa pequena-burguesia de origem colonial que era designada de “les lettrés” pelos franceses, “educated” pelos ingleses, “evolués” pelos belgas, constituía o centro da elite política. Esta elite tinha a impressão de ter ganho a batalha política, mas nós sentíamo-la embaraçada em relação à continuação a dar à relação de colonização. Sentíamos que algumas destas elites pretendiam continuar a «obra» da colonização. Neste sentido, a descolonização não significava a ruptura com aquilo que a colonização tinha já começado a fazer. Para outros, pelo contrário, seria possível romper com a colonização e construir algo totalmente novo. Assim, para a questão que queríamos esclarecer, ou seja, saber se a pós-colonização é simplesmente o que vem após a colonização ou se se trata de um período específico com um começo e um fim, verificamos que este fim, este objectivo, é a uma questão política essencial.
Lembro-vos que em 1957, Felix Houphouet-Boigny, que era então presidente da câmara de Abidjan e ministro de Estado no governo francês, recebeu em Abidjan, Kwame N´Krumah e proferiram então vários discursos públicos. Nestes discursos, a questão que se levantou foi exactamente o que seria a pós-colonização. Felix Houphouet-Boigny explicou as duas concepções presentes no continente, explicando a Kwame N’Krumah: “Vocês escolheram pôr um termo definitivo à colonização e construir outra sociedade; e nós escolhemos prosseguir aquilo que a França fazia, e será interessante poder ver dentro de quarenta ou cinquenta anos qual de nós terá ganho esta batalha”. Hoje, podemo-nos interrogar sobre qual dos dois ganhou a batalha, considerando qual é a pós-colonização característica da África de hoje. A de Felix Houphouet Boigny ou a de Kwame N’Krumah? Na sequência de uma e de outra se determinam as duas fases a que acima me referi.
A Cidadania, os Movimentos Sociais e o Papel dos Intelectuais
Do ponto de vista dos povos africanos, a transição da colonização para estados independentes teve uma importância enorme, facto que por vezes temos alguma dificuldade em compreender, porque esta passagem significou a passagem do estado de «indígena» ao estado de cidadão. Se colocarmos a questão em termos políticos significa a passagem do estatuto de súbdito ao estatuto de cidadão. Esta conquista da cidadania foi algo de muito importante pelo que ela significa na pós-colonização, mas podemos também dizer que a conquista da cidadania, no fim da colonização, foi uma conquista muito parcial, uma conquista insuficiente, reduzida. A cidadania dos anos 60 era essencialmente uma cidadania jurídica, uma vez que na realidade a igualdade dos cidadãos estava consignada essencialmente nos textos jurídicos. Reconheceu-se também a cidadania política - o direito a subscrever a máxima “um homem, uma mulher, um voto”. Mas esta conquista da cidadania era muito frágil e muito precária, porque era possível fazer com que o princípio do direito fosse posto em causa pela prática do poder; e mesmo a cidadania política, dada pelo boletim de voto, podia ser posta em causa no exercício diário da cidadania. O que se passou neste período inicial foi precisamente o acto de pôr em causa um certo número de aquisições.
Sem cair numa espécie de nostalgia do passado, penso que os anos 70 e princípios de 80 do século XX, correspondem a uma fase extraordinária no que toca aos movimentos sociais. Foi um período politicamente muito decisivo para os movimentos sociais, o que causou um problema às ciências sociais, que assumidamente não fizeram o necessário para conhecer e interpretar esses movimentos sociais. Elenco apenas, de forma sumária, alguns desses movimentos:
Há em primeiro lugar toda a rebelião política, violenta, da luta armada contra o estado pós-colonial. Um dos primeiros paradoxos deste primeiro período pós-colonial é que nos países onde a descolonização não se fez pela luta armada assistimos, por vezes, após a descolonização, ao desencadear da luta armada. Um caso exemplar será talvez o da República do Congo. Uma análise desta situação permite-nos traçar alguns paralelos, quer com a América Latina, quer com a história asiática. Foram períodos de grande insurreição urbana e isso foi muito importante. Tratava-se de insurreições espontâneas, quer de jovens, quer de mulheres, insurreições organizadas, por vezes, em estruturas militantes, outras vezes, em estruturas mais ou menos secretas, o que é comparável à guerrilha urbana da América Latina. E aqui estou a referir-me particularmente a Brazzaville nos anos 60. Há também todo o movimento dos estudantes, que, ainda no período propriamente colonial se desenvolvia sobretudo nas metrópoles coloniais. A partir dos anos 60 o movimento dos estudantes africanos assume-se realmente como um movimento africano que se desenvolve em várias capitais de África: Dakar, Nairobi, Dar-es-Salam, Kinshasa, Bangui, etc. A maior parte dos estudantes africanos conheceram uma movimentação estudantil considerável e direi mesmo interessante, e falo não só de estudantes universitários, mas de movimentos de alunos, das escolas primárias e secundárias. Para citar um exemplo entre outros, relembro-vos que a queda do imperador Bokassa, na República Centro-Africana, em 1979, está directamente ligada a uma greve dos alunos das escolas primária e secundária.
Neste período, é também fundamental o papel dos intelectuais africanos, a intelligentzia. Para abrir um debate que pode ser objecto de uma discussão ulterior, direi de forma semelhante àquela que em França se costuma usar para classificar esquematicamente os intelectuais. Consideram-se três categorias: os intelectuais engajados, os «específicos», mais propriamente os que estão nos seus laboratórios e que não se ocupam do resto, e os intelectuais do governo. Na primeira fase da pós-colonização os intelectuais africanos, suficientemente numerosos, distribuíram-se pelas três categorias – “específico”, engajado e do governo - e isso teve, consequências para as ciências sociais. Os intelectuais específicos e os engajados produziram um conjunto de paradigmas, um certo número de epistemologias que me parece que hoje devemos ter em conta se quisermos conhecer a pós-colonização no continente africano. Paradoxalmente, foi neste período que entrei para as ciências sociais, e direi, a partir da minha própria experiência, que a autonomia das ciências sociais é tributária dos financiamentos que de uma certa forma levaram – não sei se de forma deliberada – os intelectuais a afastarem-se do movimento social para outros objectos de estudo que eram certamente interessantes. Estes estudos deixavam-nos um pouco míopes, um pouco cegos, em relação aos movimentos sociais. Direi para resumir que os financiamentos nos conduziram para o discurso do Estado, para as práticas do Estado em vez incidirmos na análise dos movimentos sociais. A maior parte dos investigadores interessava-se pelo “desenvolvimento”, pelo Estado, mas pelo Estado não numa perspectiva de antropologia política ou de sociologia jurídica ou de ciência política. O Estado era estudado sobretudo do ponto de vista do direito formal e, evidentemente, fomos também levados ao estudo da nação e da construção da nação. Neste período, há uma outra característica que me parece importante e que tem a ver com a cidadania. Os receios que podíamos ter de que a cidadania jurídica e política podia ser posta em causa rapidamente se revelaram verdadeiros. É uma situação conhecida e que apenas vou citar no geral, os casos de golpe de Estado, quer os efectivamente militares, quer os jurídicos que não eram militares. São disto exemplo os de Léopold Sédar Senghor, no Senegal, ou de Félix Houphouet-Boigny, na Costa de Marfim, que fizeram golpes de Estado «legais» para estabelecerem regimes de ditadura. Esta cidadania jurídica e política foi assim rapidamente esvaziada do seu conteúdo.
Nesta perspectiva, a primeira impressão que podemos ter é que a primeira pós-colonização, durante os anos 60-70, do ponto de vista político lembrava o Estado colonial, sendo porém de manter, algumas reservas. Uma leitura colonialista do pós-colonialismo feita pelos africanos conduziria pela certa, à conclusão de que a colonização não constitui um bloco cronológico, mas antes, que houve vários estádios na colonização. E diria que a colonização na sua fase final, mais ou menos por volta dos anos 40-60 – a que alguns de nós chamaram a segunda ocupação colonial – apresentava características particulares. É evidente que o Estado era um Estado autoritário, havia uma dominação estrangeira, havia o racismo, mas essa colonização havia assumido outras características: em primeiro lugar, tornou-se muito mais técnica, talvez mesmo tecnocrática. Poderemos também dizer que era uma colonização mais científica, integrando na sua prática – e isso é verdade também para a colonização portuguesa se virmos os trabalhos do Instituto de Investigação Tropical – os estudos sobre Botânica, Agricultura, Medicina. Ao mesmo tempo, podemos dizer que devido às exigências africanas, talvez também por causa do contexto da Guerra Fria, a colonização foi obrigada a soltar as rédeas. Como consequência, num certo número de países africanos, as práticas do Estado-providência da Europa Ocidental vão ter algum impacto no continente africano, levando certas categorias sociais a beneficiar dessas práticas do Estado-providência. São estes dois factores – o carácter tecnocrata da colonização na sua fase terminal e o seu carácter providencial – que fizeram com que para um certo número de africanos o recuo da cidadania fosse sentido como um recuo em relação à colonização. Chegamos assim a esse paradoxo que faz com que a pós-colonização possa aparecer como uma regressão em relação à colonização. Essa é uma das razões por que vamos assistir ao recurso à violência e mesmo à violência armada por parte desses cidadãos.
Cultura Política e o Estado
Em relação à cultura política em África, dois aspectos fundamentais são de destacar: os discursos políticos e as práticas a eles associadas. Com efeito, pode-se entender por cultura política quer a expressão de uma identidade na África pós-colonial, quer a percepção do poder e a prática do poder. Se abordarmos a questão da identidade, podemos ver que o discurso da identidade é diferente da prática da identidade. O discurso da identidade no fundo permanece, o mesmo; para falar de forma resumida, é o discurso do pan-africanismo e o discurso do nacionalismo anticolonial; todavia, a prática da identidade é totalmente diferente da prática da identidade do período colonial. Na verdade, a prática da identidade mostra neste período a existência de um outro nacionalismo. Paralelamente ao nacionalismo anticolonial, dá-se a aparição de um nacionalismo territorial, um nacionalismo que podemos chamar de uma forma um pouco fácil, um nacionalismo à maneira europeia, clássica, nacionalismo territorial, egoísta, xenófobo, e algumas vezes muito violento. Nessa segunda fase da colonização, paralelamente ao pan-africanismo, assistimos à expressão de um forma de nacionalismo que constitui a primeira expressão de identidade que verificamos hoje, por exemplo, no caso da Costa de Marfim. A Nigéria que expulsa os «estrangeiros», chamados africanos, mas guarda os “estrangeiros” capitalistas que controlam as grandes empresas, o Gana que faz a mesma coisa, os dois Congos que aplicam também a mesma atitude política, enfim, é uma situação comum no continente africano.
Um outro aspecto importante que emerge neste contexto é evidentemente a questão étnica. Tenho uma ligação problemática com essa questão étnica. Digamos que não gosto muito da classificação “étnica” sobre a totalidade das questões que normalmente este conceito pretende englobar. Um assunto como a guerra do Biafra, que foi um grande fenómeno desse período, a guerra do Chade, as guerras do Congo durante esse mesmo período, não foram questões étnicas. Se quisermos fazer comparações com regiões fora do continente, com outras partes do mundo, com a Ásia, por exemplo, penso na Índia, ou na América Latina e por que não na Europa, essa questão, este tipo de guerra é uma guerra apelidada de regionalismo, mais do que uma guerra étnica. Haverá, é certo, guerras étnicas durante esse período também, guerras que resultam de uma instrumentalização das identidades étnicas pelos poderes locais. Acrescento aqui uma terceira questão: a da invenção de etnias durante esse período, quer dizer a transformação, a cristalização numa “identidade étnica” em si própria de aspectos que poderiam estar mais ligadas a uma classificação social. A cristalização de uma etnia é a afirmação de que um grupo social que se converte numa etnia, que reivindica uma origem mais ou menos mítica, clama por um território e explicita uma originalidade, uma individualidade irredutível em relação aos outros. Isto acontece em 1959, no Ruanda, e, em 1972, assistimos à transformação dos Hutus do Ruanda e do Burundi numa etnia. Quando os Tutsis, por seu lado, se cristalizaram noutra etnia, só poderíamos esperar que ocorressem confrontos entre os dois.
Há, deste modo, uma produção identitária que é considerável, que é paradoxal e contraditória. Senão vejamos: numa mesma região temos uma identidade global pan-africana, que no início não é negra porque é pan-africana, e, por isso, continental, mas esta identidade também não é simplesmente continental, pois esse pan-africanismo pretende integrar no seu seio os negros da América do Norte e os da Europa, que são cada vez mais numerosos, assim como os negros do Médio-Oriente e da Ásia Oriental.
No que diz respeito à cultura política como percepção e prática do Estado e de direito, quando eu era estudante, os juristas que trabalhavam sobre a África, nomeadamente em França, publicavam numa grande colecção, a “Librairie Générale du Droit et de la Jurisprudence”. Escreviam livros sobre o estado africano, o direito africano, sobre uma série de coisas, e nós estudantes estávamos profundamente descontentes com este trabalho. Sentíamos uma grande descontinuidade entre o que estava formalmente descrito nos livros e o que víamos no terreno: a igualdade do cidadão perante a lei, o anonimato do Estado, a noção de bem público, a questão da legitimidade do Estado, a questão do uso da violência pelo Estado. Questionávamos então: a que propósito, até quando? Tudo isso não correspondia ao que era visível no terreno. E introduzo aqui um comentário transversal: a investigação que fiz sobre Kwame N’Krumah permitiu-me reler com um olhar novo Ciryle James, um antilhês que se considerava um latino-americano e um cidadão do mundo. Ciryle James era trotskista e negro, e nos seus escritos dizia que o que se passava em África não era exclusivo de África, era a mesma coisa que se podia observar nas Antilhas, na América Latina e noutros locais.
A primeira fase da colonização vai alimentar um processo de formação e consolidação das classes sociais com uma burguesia de Estado, que emerge e que vai ter acesso ao poder e tomar um conjunto de iniciativas que legalizam e banalizam uma série de práticas que hoje conhecemos e que ligamos, um pouco rápida e facilmente demais, ao conceito de corrupção. Há aqui várias questões que me parecem importantes. Podemos de facto dizer que, tendo feito parte de um grupo “deslegitimado” na sua relação com o cidadão, o Estado africano neste período tornou-se “deslegitimado” em muitos países. O que hoje tem vindo a ser descrito como o fracasso do Estado, a decomposição do Estado, o afundamento do Estado, está muitas vezes ligado, em certos casos, a este processo de afundamento do Estado que muitos de nós não detectaram, devido à miopia em relação aos processos sociais que acompanhavam a vida desse período.
As epistemologias africanas são importantes para compreender a África de hoje, sob condição de compreender que estas epistemologias não se revelam apenas nas ciências sociais. Podemos encontrá-las nas ciências sociais, mas podemos encontrá-las noutra linguagem, e as linguagens na sociedade não são linguagens científicas, mas enunciam proposições e hipóteses que são pertinentes do ponto de vista científico. E em África há duas linguagens importantes durante esse período para mostrar a “desligitimação” do Estado: em primeiro lugar, a linguagem da ficção literária. Deste ponto de vista a literatura é para nós uma linguagem muito importante se pensarmos em autores como Kourouma, Solina Tamsir, Akouye Yama que escreveram sobre a deslegitimação do Estado pelos africanos, sobre a rejeição do Estado pelos africanos, um processo de contradição e de contestação do Estado, que é extremamente importante.
Uma outra linguagem é a das músicas populares, que estão lá para nos lembrar algumas destas hipóteses e expectativas.
Nova fase da pós-colonização
Uma nova fase da pós-colonizaçãao, inscrita portanto na situação pós-colonial, iniciou-se nos finais dos anos 70 e princípios dos anos 80, e trouxe consigo novos elementos que merecem atenção.
Em relação à “primeira” pós-colonização verifica-se que vários aspectos assentam na fase anterior. Por exemplo, uma parte do pessoal político advém do período anterior, Abdou Diouf e, Abdoulaye Wade no Senegal, Omar Bongo no Gabão (que continua ainda hoje no poder), Mathieu Kerekou, no Benin, que renunciou posteriormente à presidência. Resumidamente, se fizermos a cartografia dos homens políticos africanos e dos quadros administrativos, observamos uma espécie de continuidade destas pessoas em relação ao primeiro período; há também uma persistência das práticas neo-coloniais. Se fizermos uma análise detalhada, que, por vezes, as ciências sociais rejeitam porque receamos que pensem que estamos a bisbilhotar caixotes de lixo, mas que são necessárias, sobre as redes que ligam a África à Europa, as antigas colónias aos antigos estados colonizadores, esses estudos mostrar-nos-ão que estas redes existem e que persistem na pós-colonização. A este título não sei como podemos considerar acontecimentos como os da Costa de Marfim. Pergunto-me se estes acontecimentos não significam o final de um processo de descolonização que começou há cinquenta anos e que, neste momento, está a terminar. Podemos pensar que é hoje, no princípio do século XXI, que a Costa de Marfim deixa de ser “francesa”, deixa de ser «pós-colonial francesa» para se tornar outra coisa. Ao mesmo tempo e paralelamente a estas permanências deste primeiro período, há aspectos novos que devemos constatar e sobre as quais devemos reflectir, nomeadamente a relação de África com o mundo e as mudanças importantes que essa relação traz e está a trazer.
Ao me referir brevemente as estas mudanças poderia dizer que nas ciências sociais africanas persiste um tropismo europeu, um enfoque sobre a Europa que corresponde ao período colonial, e a que correspondem fenómenos de longa duração. Para exemplificar de forma breve, diria que uma parte da intelectualidade africana tem tendência a considerar que essas relações Norte-Sul são as únicas relações que são importantes na história das sociedades africanas. Estas relações têm uma história longa, de longa duração, multissecular, mas na verdade não são as únicas.
Antes de estar ligada à Europa pelas diferentes sequências que conhecemos, a África esteve ligada a outras partes do mundo, nomeadamente ao continente asiático, e paralelamente à Europa. África estabeleceu, pelo menos até à colonização imperialista, ligações fortes, directas e intensas e de forma independente com o continente americano, com a América do Sul, com a América antilhesa, com a América do Norte e, meio a sério e meio a brincar, sabemos que, por exemplo, a fundação da Libéria, no século XIX, não tem nada a ver com a Europa. É uma ligação directa entre a África e o Novo Mundo.
A reorganização a que hoje assistimos consiste de facto numa espécie de desconexão parcial de África em relação ao continente europeu, e a uma globalização das suas relações com o mundo. Isso passa por uma série de fenómenos, nomeadamente o papel cada vez mais importante das instituições financeiras internacionais, o papel político e militar crescente das Nações Unidas, o papel cada vez mais importante dos Estados Unidos na política africana, e também e igualmente pela inserção de África nos fluxos financeiros, de mercadorias de uma economia formal e de uma economia informal, talvez mesmo de uma economia mafiosa internacional cada vez mais importante e que envolve não apenas a Europa e o continente americano, mas também os novos estados da Europa de Leste, o Brasil, a Índia, a China, e ainda os pólos do islamismo político. Trata-se de uma série de fenómenos que devemos ter em conta e que são difíceis de medir e avaliar.
Apenas um exemplo trivial mostra a mudança de atitude: hoje é difícil obter um visto para os comerciantes e homens de negócios virem à Europa e, particularmente, para as mulheres de negócios africanas, que, numa visão extremamente negativa do que é a África, são vistas como prostitutas em potência.
O que vemos hoje, no Gana, no Quénia, no Congo? Uma vez que este movimento Norte-Sul não pode ser feito, faz-se um movimento Sul-Sul. As mulheres empreendedoras do sector económico informal não podendo ir à Europa, vão directamente ao Koweit, à Índia, à China. Em breve – pois as mercadorias que chegam à Europa agora são “made in China” - vão directamente ao produtor em vez de passar pelo intermediário. Há, por conseguinte, fenómenos e movimentos importantes em toda a África Atlântica e mesmo na África Indo-oceânica, assiste-se de forma crescente, através da juventude universitária, a um movimento simultaneamente de afirmação da comunidade negra da América Latina, e, ao mesmo tempo, de todas as posições alter-mondialistas dos estados latino-americanos. A política social de países tão diferentes como o Brasil, Venezuela e outros países do Sul são seguidas com um grande interesse nos países africanos. As implicações são importantes: se o modelo jurídico e o modelo político dos inícios dos anos 60 e 70 provinha da Europa Ocidental – a Constituição europeia, o modelo do Estado-Providência europeu, etc. – nos nossos dias começam a ganhar terreno outras referências e a sentir-se que outros modelos se encontram no Sul.
Podemos então perguntar em que situações se encontram os três temas que fundamentam esta conferência – culturas políticas, cidadania e movimentos sociais.
Concluindo
Em primeiro lugar, a cidadania: parece-me haver uma reconquista da cidadania, mas não concordo com as abordagens de uma certa escola de análise política que, procurando definir o momento cronológico desta segunda pós-colonização em África, afirma que essa reconquista da cidadania é uma consequência de fenómenos mundiais como a queda do muro de Berlim, o discurso de La Baule. Nesta perspectiva, os processos de democratização em África são a tradução, em África, de processos globais. Não concordo. Há um ambiente internacional favorável, mas há dinâmicas internas aos países e ao continente como um todo. Se tivermos em conta os movimentos sociais que evoquei anteriormente, parece-me que as dinâmicas próprias às sociedades africanas permanecem extremamente centrais e importantes, e isso não é para reificar essa dinâmica, mas para manter a lucidez em relação a essa dinâmica.
A questão teórica e conceptual que agora se levanta é a de saber como é que os movimentos sociais – por vezes dispersos e autónomos uns em relação aos outros – contribuem para produzir a sociedade civil, ou seja, uma sociedade de cidadãos que se organizam não só para o combate social, por vezes localizado, mas que se organizam para a transformação global da sociedade. Essa é uma questão teórica importante que não é apenas uma questão africana, mas também da América Latina e, porque não, das antigas democracias populares.
A terceira questão é tentar compreender como é que esta reconquista da cidadania não se traduz no que as ciências sociais veriam como o progresso da cidadania, e ao invés, leva muitas vezes as pessoas do povo a trocar o seu boletim de voto pela arma. Como compreender o facto de que, apesar dos progressos das consultas eleitorais dos anos 90 e as possibilidades de mudança através dessas consultas, o boletim de voto vai sendo trocado ou vai ao lado da utilização da arma, não só o fuzil, mas a arma branca? No Ruanda, no Burundi, no leste do Congo, e na Serra Leoa não foram os fuzis que falaram durante os conflitos, mas as armas brancas. Trata-se de uma questão difícil de estudar e difícil de responder. Talvez a resposta não possa ser dada de uma forma global, mas provavelmente ligada a cenários locais e historicidades locais, com contradições de longa duração que explodem e se transformam em momentos de violência, quando as possibilidades de regulação política existem.
Insisto agora numa última questão, a da cultura política: o estado da cultura política em África hoje é de difícil análise. Fico em primeiro lugar confuso com o facto de ter havido, pelo menos até ao fim dos anos 90, uma espécie de contradição na erosão do pan-africanismo político e, ao mesmo tempo, uma re-dinamização desse pan-africanismo político num outro discurso, menos político e mais cultural. Um discurso que cessando de ser político e sendo mais cultural passa a ser um discurso mais étnico, direi mesmo mais racial, e que é o discurso do renascimento africano e do renascimento negro. Há portanto aqui um problema, que se liga à erosão ou à transformação qualitativa do pan-africanismo. Num outro patamar, uma outra questão se coloca relativamente à cultura política: como interpretar o novo nacionalismo – um nacionalismo territorial, e por consequência egoísta e belicoso. Não estaremos a assistir a uma consolidação de um nacionalismo territorial? Isto é particularmente visível se se observar como um certo número de países está a desenvolver a imagem do outro, não o outro colonial, o europeu. Este “outro” é o outro africano. O discurso sobre a “ivoirité” [“marfinidade”]... o discurso sobre a “angolanidade”, etc., etc....
Há tempos contaram-me uma anedota, que segundo Madi Koutani, foi contada num jornal de Luanda. Havia um avião que transportava um chinês, um americano, um inglês, um angolano e um zairense. Acontece que o avião estava claramente sobrecarregado. O piloto advertiu os passageiros de que era necessário reduzir o excesso de peso atirando coisas pela janela. O americano, de imediato deitou fora o seu computador; o chinês deitou um carro coreano; o inglês o seu casaco; o zairense uma capulana. O angolano reflectiu, indeciso quanto ao que fazer e finalmente pegou no zairense e deitou-o pela janela. Os restantes passageiros perguntam ao angolano “Mas você acaba de deitar fora um zairense, porquê?”. Ao que o angolano responde: “Há muitos zairenses no nosso país e nós não precisamos deles”. Este género de histórias e anedotas que encontramos um pouco por todo lado, no Senegal, no Gana, na Nigéria revela um problema grave de cultura política.
Um aspecto importante, que é fundamental para a cultura política, liga-se ao que posso chamar o saber africano, no sentido, do capital memorial das sociedades africanas ligado a um saber técnico, científico. Este pode aparecer na farmacopeia, mas que a memória das sociedades africanas e a capacidade das sociedades africanas podem utilizar para construir o seu futuro, não sob a forma de uma ideologia de regresso ao passado africano, mas para alicerçar – e isso é uma aposta da pós-colonização – a construção de uma sociedade política e uma estrutura política capazes de darem aos cidadãos uma visão coerente do seu passado e não uma visão limitada. Este é um grande desafio que a grande maioria das sociedades africanas ainda não conseguiu resolver.
Por último e ainda no âmbito da cultura política retomo a questão da intelligentzia africana. Como referi, na primeira fase da pós-colonização, houve um conjunto de intelectuais africanos engajados, que ocuparam diferentes posições específicas no seu domínio ou no governo. Neste momento, temos provavelmente uma crise de intelectuais específicos, que é a crise do ensino, a crise das universidades e a crise da produção científica. África atravessa uma crise profunda provocada pelas políticas do Estado e pelas as instituições internacionais. Ou seja, para além da crise de intelectuais engajados, África padece ainda de uma crise mais grave que é a dos intelectuais específicos.
A figura do “intelectual engajado” que era a força motriz de África no fim da colonização e que permaneceu a força de África na primeira fase da descolonização, desapareceu para ser substituída pela figura do intelectual do governo. A este facto acrescenta-se algo ainda mais problemático, porque o intelectual do governo, de quem se espera tecnicidade, competência e eficácia no exercício do seu ofício de governação, uma vez no poder manifesta frequentemente práticas de ineficácia, de incompetência, e direi mesmo de “cabritismo” e outras características que em nada ficam atrás da classe que os precedeu no exercício do poder. Estamos numa fase, que é uma fase particular da pós-colonização, e que nos coloca alguns problemas de hoje, que não são os mesmos problemas dos anos 60 e 70, e que teremos de olhar de frente, para podermos ter a força que as ciências sociais tiveram nos anos 60 e 70.
Concluindo, temos de produzir conhecimentos e, ao mesmo tempo, contribuir para as mudanças sociais e a construção de um mundo que seja um mundo solidário e um mundo de igualdade.
Transcrição e tradução de Raul Fernandes, estudante de doutoramento do Programa Pós-Colonialismos e Cidadania Global. Edição e selecção de Margarida Calafate Ribeiro e Maria Paula Meneses.
|