Editorial
 

 
   

Esta edição da Cabo dos Trabalhos, Revista Eletrónica dos Programas de Doutoramento do CES, em parceria com a FEUC, FLUC e III, foi coordenada por Clarisse Aló, Flora Pereira e Livia Almendary, estudantes da turma 2021/2022 do Programa de Doutoramento “PósColonialismos e Cidadania Global".

Descolonizar torna-se um verbo imperativo para esta revista. Em que pese os debates em torno dele, significa, em primeiro lugar, o processo de emancipação dos territórios coloniais em relação às metrópoles colonizadoras. E extrapola esse sentido histórico na medida em que a emancipação não se completou. A herança colonial permanece entranhada em estruturas materiais e discursivas contemporâneas, em regiões do Norte e do Sul Global, produzindo e reproduzindo desigualdades, violências e exclusões sistemáticas. 

A narrativa civilizatória universalizante e unidirecional – a marca do colonialismo histórico que ganhou novos "modos de usar" desde então – constrói o "outro", material e simbolicamente, como a medida do descartável, do ruim, do proibido e, em última instância, do inumano. Opressões no bojo do colonialismo, como o racismo, o patriarcado, entre tantas outras, são investigadas e confrontadas nesta edição pelas autoras e autores. Nos meios de comunicação, nas artes, na política, na economia, no meio ambiente, veremos, por diferentes abordagens, como essa narrativa muitas vezes produz discursos homogeneizados e uma roupagem parecida para tudo e todos, negando a pluralidade das formas de vida, a diversidade de existências, de hábitos, de culturas.

Os ensaios reunidos neste número da Revista Cabo dos Trabalhos, realizados pela turma de doutoramento do Programa Pós-Colonialismos e Cidadania Global do ano de 2021/22, com a participação de doutorandos visitantes, propõem olhares pós-coloniais ou a partir das Epistemologias do Sul para outras leituras de seus contextos. A revista está dividida em três eixos temáticos: “Lutas sociais e outros mundos possíveis”, “Saúde, corpo e gênero” e “Símbolos e imaginários nas artes e nas ruas”.

No primeiro, Lutas sociais e outros mundos possíveis, Flora Pereira analisa narrativas contra-hegemônicas na pauta ambiental e climática em mídias sociais, com base na produção digital de três organizações que lutam pelos direitos territoriais no Brasil. Bryan Vargas discute formas de resistência em contextos de dominação produzidos pelo colonialismo interno no caso específico do Conselho Indígena Regional do Cauca, no sulocidente da Colômbia. Rafael Madime fecha a primeira seção com uma reflexão sobre desafios institucionais e políticos para o desenvolvimento de Moçambique no período póscolonial.

Em Saúde, corpo e gênero, Jéssica Araldi traça uma análise histórica da assistência ao parto em Portugal e debate a soberania reprodutiva de mulheres e a violência obstétrica. Priscila Dias tece reflexões teóricas sobre a contribuição do feminismo decolonial e das Epistemologias do Sul para a inclusão dos saberes de mulheres subalternizadas no campo da Psicologia. 

Na terceira e última seção, Símbolos e imaginários nas artes e nas ruas, Clarisse Aló aborda duas exposições ligadas à Universidade de Coimbra e faz uma análise crítica do trato da memória imperial portuguesa e da herança colonial europeia, no contexto do debate sobre a descolonização dos museus. Marcelo Lopes analisa os eventos de contestação a monumentos em homenagem a sujeitos do colonialismo moderno a partir do caso da queima da estátua de Borba Gato, na cidade de São Paulo, realizada pelo coletivo Revolução Periférica, em 2021. Gustavo Freitas realiza uma análise crítica e multimodal do discurso de uma websérie audiovisual, Meu Bairro, Minha Língua, com uma releitura e ressignificação do conceito de Lusofonia. Por último, Livia Almendary traz a importância de respostas estéticas forjadas por e sobre jovens, no campo do cinema, para denunciar o genocídio da população jovem e negra no Brasil, e questiona os limites e possibilidades das Ciências Sociais no enfrentar de desafios sociais urgentes. 

 Os ensaios desta edição, em seu conjunto, buscam contribuir para a produção de conhecimento crítico, situado, compromissado com a emancipação e justiça social. Conformam, assim, mais um pequeno passo no longo percurso de decodificar e subverter discursos eurocêntricos e totalizantes, dentro da academia e fora dela.

Boa leitura!

Clarisse Aló, Flora Pereira e Livia Almendary