Editorial
 

 
   

Este número da revista Cabo dos Trabalhos é composto por artigos da autoria de estudantes do programa de doutoramento Território, Risco e Políticas Públicas. Este programa é uma iniciativa conjunta das universidades de Coimbra, Lisboa e Aveiro, e está em funcionamento desde 2011 com edições anuais ininterruptas. O programa nasceu da vontade de juntar diferentes equipas e escolas numa reflexão interdisciplinar, com ênfase sobretudo nas abordagens a partir da Geografia, da Geologia, da Sociologia e das Ciências do Ambiente, em torno das temáticas do ordenamento do território, do risco e da vulnerabilidade social e da sua articulação com as políticas públicas.

Como refletem as propostas apresentadas neste número da revista, o programa de doutoramento tem-se afirmado na sua dimensão internacional, com especial incidência no espaço de países falantes de língua portuguesa. Perante o crescente impacto das alterações climáticas, de eventos extremos com períodos de recorrência cada vez menores, da incerteza perante processos emergentes a nível da saúde e da segurança das populações, do aumento das desigualdades sociais e do seu reflexo na justiça ambiental e ecológica, o conhecimento científico é crucial para a produção de medidas de mitigação, de adaptação e de redução do risco de desastres.

Um conhecimento científico em estreita colaboração e em coprodução com as comunidades diretamente afetadas, mobilizando os conhecimentos existentes numa verdadeira ecologia dos saberes emancipatória, recorrendo a metodologias participativas que valorizam o ser humano e as formas tradicionais de ser, pensar e agir. Isto sem descurar as configurações institucionais de diferente escala que permitem a aplicação, a validação e a correção das diferentes medidas em territórios em disputa e marcados por diferentes aspirações, objetivos e dinâmicas.

A promoção de uma reflexão crítica sobre os processos complexos de articulação entre as dimensões institucionais, de âmbito internacional, nacional, regional e local, territoriais e comunitárias permite a produção de quadros analíticos adequados às exigências de um mundo em transformação e que se consubstancie na possibilidade de pensar de verdadeiras alternativas e de contribuir para a construção de bens comuns verdadeiros alicerces na relação entre gerações e de futuros sustentáveis.

Na componente institucional temos os artigos de Leandro Barros sobre o figurino legal da entidade de emergência e proteção civil portuguesa e de Ariádne Bittencourt sobre as políticas públicas no setor do turismo no Brasil. Num nível intermédio, o artigo de Davi Fontes analisa o papel das bases de dados na gestão do ambiente e das políticas públicas no Brasil, e a possibilidade dos dados e das bases de dados contribuírem para a promoção do bem social. A nível estrutural, e em estreita ligação com os fluxos de pessoas e bens, Camilo Lopera aborda os riscos de desastre e a gestão de cidades portuárias. Sara Portovedo, a partir da perspectiva da regulação dos riscos, incide a sua análise sobre as questões centrais para a segurança alimentar e nutricional.

O artigo de Cristina da Silva situa-se plenamente numa abordagem que mobiliza a ecologia dos saberes e que promove uma nova conceção, de e com as pessoas, da vida da floresta que permita, através de uma prática pedagógica, pensar futuros alternativos firmemente ancorados na tradição e na ancestralidade. Letícia Gonçalves mostra a importância dos microsseguros para as comunidades de menores recursos enfrentarem os riscos e os eventos extremos naturais, propondo uma metodologia de análise disruptiva, sistémica e globalizadora.

A emergência da COVID-19 obriga a uma reflexão aturada sobre as desigualdades estruturais entre países e sobre as lógicas do capitalismo de saúde e o nacionalismo sanitário. Jérôme Etsong procede no seu artigo a uma análise fina da interseção dos riscos sanitários com os riscos políticos, antevendo as condições necessárias para mobilizações de base popular. Por último, Mariluz Coelho propõe um novo quadro analítico para a proposição de políticas públicas de comunicação de risco, assente numa lógica pós-abissal.

José Manuel Mendes
Alexandre Tavares
Liliane Hobeica