Editorial
 

 
   

Este número da revista Cabo dos Trabalhos reúne uma seleção de ensaios realizados por estudantes no âmbito de unidades curriculares do Programa de Doutoramento em Sociologia: Relações de Trabalho, Desigualdades Sociais e Sindicalismo ao longo do ano letivo 2018-19 (coincidindo com a 6ª edição deste programa doutoral).

Os temas dos ensaios são, pois, anteriores aos tempos de pandemia que invadiram a nossa vida coletiva em 2020. Mas todos eles evidenciam um comprometimento com temas e problemáticas que têm sido objeto de debate e reflexão neste Programa de Doutoramento e que ganham acuidade no tempo presente. Os ensaios deste número da Cabo dos Trabalhos incidem sobre os seguintes temas: tendências globais e impactos locais das transformações nas relações de trabalho; a centralidade e o lugar da classe trabalhadora no capitalismo contemporâneo; os impactos da terceirização e reforma trabalhista nas relações laborais; o sentido crítico do sindicalismo no quadro dos processos de reforma trabalhista; o lugar da classe média no contexto das redes sociais e dos modelos de negócio digital; os contornos sociais e ideológicos das classes médias no Brasil; o movimento dos “coletes amarelos”; a (re)organização coletiva de trabalhadores na era digital; Estado e a sociedade civil na proteção social em Portugal e no Brasil; a reconfiguração das relações laborais nos serviços públicos de saúde no caso português e britânico. 

De um ponto de vista formal, os dez ensaios podem alinhar-se em pares. Os dois primeiros ensaios dão conta de transformações globais do capitalismo e seu impactos no trabalho/relações laborais. André Krein discute os impactos dos processos de intensificação da globalização nas relações de trabalho, conferindo um destaque a um conjunto de indicadores das transformações no mercado laboral em Portugal, em especial pós-crise de 2008. Por sua vez, Blanca Estela analisa as condições de produção da vida material no século XXI, quer recuperando os debates sobre a centralidade do trabalho, quer refletindo sobre o significado atual da noção de “classe trabalhadora”.

Em complemento aos textos anteriores, os ensaios seguintes colocam ênfase nalgumas das implicações decorrentes dos processos de flexibilização das relações laborais, tendo por referência, em grande medida, a realidade brasileira, mas igualmente a portuguesa. Valnete Freitas, por um lado, parte do ordenamento jurídico brasileiro para analisar o impacto da terceirização no mercado de trabalho e seus reflexos nas condições de negociação, saúde e segurança do trabalhador. Na linha da (des) proteção trabalhista inerente ao arcabouço jurídico, que pressupõe repensar o papel do Estado e que convida também a uma viagem ao contexto português, André Vitaliano, apoiando-se num reflexão de Elísio Estanque, tece considerações sobre os desafios de reinvenção, autonomia ou ativismo a que o sindicalismo está sujeito em contexto de grande adversidade, avanço do precariado e fragmentação dos direitos laborais.

A reflexão sobre a classe média adquire destaque no quinto e sexto ensaios. Por um lado, Marina Chiari reporta-se à classe média enquanto conceito subjetivo disputado e cada vez mais sujeito a novas reconfigurações no quadro das redes sociais, submetido que está a práticas de vigilância do comportamento digital e conteúdo produzido pelos utilizadores de tais redes. Por outro lado, Andréa Costa analisa os contornos sociais e ideológicos das classes médias no Brasil, situando o lugar dessas classes na estrutura social do país de molde a realçar o seu papel conservador e antimoderno. Esse exercício analítico é articulado com uma sociologia das mobilizações coletivas, tendo presente as “jornadas de junho” de 2013.

Ora, é igualmente sobre mobilizações e formas de reorganização laboral num contexto de mobilização tornado propício pelas redes sociais que se ocupam os textos seguintes. O sétimo ensaio, da autoria de Graça Lourenço, enquadra o movimento “coletes amarelos” na literatura sobre movimentos sociais e tece ainda considerações sobre a sua ineficácia no contexto português. Por sua vez, Vamberto Miranda Filho procede a um mapeamento de alguns estudos sobre as principais mudanças que têm ocorrido no mundo do trabalho, na chamada era digital, desde logo procurando elucidar implicações daí decorrentes para os processos de (re)organização coletiva de trabalhadores.

Por fim, os ensaios que encerram este número da Cabo dos Trabalhos apoiam-se em análise comparadas relacionadas com políticas públicas e suas reconfigurações. Por um lado, Sergio Mariani reporta-se aos processos de institucionalização de parcerias com organizações da sociedade civil que os Estados nacionais têm posto em marcha como forma de colmatar o enfraquecimento de políticas públicas. Embora tenha por referência a comparação Portugal-Brasil, o autor detém-se, no quadro do sistema prisional, nas experiências de ressocialização de reclusos promovidas pela Associação de Proteção e Assistência aos Condenados. Por sua vez, Renato Santos e Denise Marcarenhas discutem empiricamente a reconfiguração das relações laborais nos serviços públicos de saúde, a partir dos casos do Serviço Nacional de Saúde Português e o Serviço Nacional de Saúde Britânico. Fazem-no por meio de uma perspetiva de análise comparativa de vulnerabilidade fiscal e de sociologia do trabalho em contexto de nova gestão pública.

Além do ensaios que compõem este número da Cabo dos Trabalhos, o leitor encontra ainda um secção de recensões (ensaios mais curtos) escritos por estudantes do programa doutoral Human Rights in Contemporary Societies a partir de textos integrados no Syllabus 2019/2020.

 

dezembro de 2020

Hermes Augusto Costa

Elísio Estanque