Editorial
 

 
   

Editorial

O doutoramento em Estudos Feministas, pioneiro em Portugal, tem como objetivo familiarizar as/os estudantes com formação anterior em áreas diversas com o maior número possível de questões e de metodologias relevantes para os Estudos Feministas, Estudos sobre Mulheres e Estudos de Género.

Neste número da revista Cabo dos Trabalhos reúne-se uma seleção de ensaios produzidos por estudantes no âmbito de unidades curriculares do Programa de Doutoramento em Estudos Feministas. Os ensaios aqui apresentados testemunham um compromisso com o perfil interdisciplinar do Programa de Doutoramento, com uma visão crítica dos diferentes tópicos abordados e com uma epistemologia e ontologia emancipatórias e feministas. São ensaios produzidos por estudantes de distintas nacionalidades e que colocam os estudos feministas em diálogo com a sociologia, a história, a literatura, a antropologia, a religião, o direito, a filosofia, a pedagogia e os estudos da comunicação.

Do ponto de vista da sua organização formal, os ensaios deste número da revista estão dispostos segundo a aproximação temática. O texto de Ana Lúcia Santos apresenta um levantamento de discursos sobre a homossexualidade feminina na Idade Moderna pretendendo dar pistas acerca da forma como a linguagem constrói conhecimento, mais concretamente, como a linguagem das fontes criou uma identidade sodomita/lésbica ancorada num paradigma heteronormativo que subsiste até hoje.

Ainda com um enfoque na linguagem, Yibing Yu apresenta um ensaio onde nos convida a pensar os milenares caracteres chineses – Sinogramas – à luz do género e da sociedade patriarcal. Mas especificamente, explica como um determinado conjunto de caracteres podem ser visualmente identificados como “femininos” e as discriminações daí resultantes.

Por sua vez, Monise Martinez analisa o ideal de feminilidade promovido pela Igreja Universal do Reino de Deus, o qual, recuperando uma suposta «essência feminina» de criação divina acaba por coincidir com alguns discursos do pós-feminismo nos media, o que suscita importantes questionamentos sobre estas relações ambíguas.

Ainda no campo da religião, Eleonora Graziani analisa a personagem de Maria Madalena, a partir da leitura de alguns versículos extraídos do "Evangelho de Maria" apócrifa. O trabalho sublinha a importância para a teologia feminista deste e de outros textos apócrifos, considerados em oposição àqueles que são aceites na leitura pública da liturgia, uma vez que o “Evangelho de Maria” descreve o processo de exclusão da autoridade da "palavra" de mulheres no Cristianismo.

Os corpos, como objeto de regulação, emancipação e/ou resistência, são outro tópico presente em vários dos ensaios. Diana Silver faz uma análise do controlo da estética do corpo feminino nas representações dos media e da sua transformação nos últimos 40, nomeadamente os discursos em torno do “corpo gordo” e o modo como esta permanece uma questão feminista.

Milena Santos parte da análise do caso de Trystan Reese, um homem transexual dos Estados Unidos que engravidou em 2016, para pensar em corpos e identidades que habitam fronteiras, as ultrapassam e reformulam, e servem como quebra de paradigmas relacionados aos papéis sociais de gênero.

O ensaio de Vera Silva tem como objetivo tecer linhas de pensamento, questionamentos e indignações na procura de contribuir para a genealogia feminista da prisão em Portugal. Para tal, reflete sobre a prisão como instrumento para a diagnose da política misógina, colonialista e capitalista que nos corpos femininos e nos corpos dissidentes impõe a domesticação pela repressão e a violência.

Por fim, Kareen Terenzzo reflete sobre o próprio conceito de feminismo e a identidade feminista nas sociedades ocidentais contemporâneas. Com esse objetivo, analisa o episódio no qual a Organização das Nações Unidas (ONU), em 2016, nomeou a personagem “Wonder Woman”, considerada feminista e heroína das histórias de banda desenhada, como embaixadora da igualdade de gênero a partir do “empoderamento para mulheres e meninas”.

Os três últimos trabalhos dedicam-se aos modos de expressão e de resistência das “subalternas” numa perspetiva feminista pós-colonial e interseccional. Assim, Paula Machava articula o tema do controlo do corpo das mulheres, questionando a dimensão opressora dos ritos de iniciação femininos Yao, em Moçambique, através de uma análise etnográfica que se debruça sobre os valores transmitidos durante os ritos e que podem contribuir para a desigualdade de género.

Marina Guimarães analisa histórias de vidas contadas por domésticas na página do Facebook Eu empregada doméstica com o objetivo de compreender esse espaço como um coletivo capaz de revelar micro-resistências presentes no cotidiano dessas mulheres e ressignificar a representação construída histórica e socialmente no Brasil sobre essas trabalhadoras.

Eliane Godinho dedica a sua atenção às mulheres que vivem no extremo sul do Brasil e que pertencem ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, e aos processos de educação popular como espaços de compromisso da epistemologia, da ética e da praxis feminista. Assim, analisa o artesanato e, nomeadamente, o bordado de arpillera como uma possibilidade de representação da voz subalterna.

O conjunto destes artigos permite vislumbrar algum do espetro temático e disciplinar em que as/os estudantes mergulham no programa de Doutoramento em Estudos Feministas, apostado no mais amplo debate, sob as mais múltiplas perspetivas, com ancoramento teórico forte e trabalho empírico rigoroso, de todas as questões que se possam situar no âmbito dos Estudos Feministas, de Género e sobre as Mulheres.

As organizadoras

Catarina Martins

Madalena Duarte